31/01/2011

ANDRÉ MACEDO


ANDRÉ MACEDO 

Números que enganam

É verdade, estamos a ficar mais pobres a cada semana que passa, mas todos os dias juntamos novíssimas palavras financeiras ao nosso humilde vocabulário. O próprio José Sócrates já sabe consultar os níveis da dívida pública no telemóvel, quando antes era provável que apenas soubesse ver os resultados do futebol ou o tempo previsto para amanhã. Estamos mais ou menos como aquele sem-abrigo de Nova Iorque que só dormia embrulhado nas folhas nobres do Wall Street Journal: apesar de pobre e desgraçado, ele sentia-se mais digno e informado quando se aquecia com as páginas do diário financeiro.
Pois é, os mil milhões de euros tornaram-se hoje valores que dominamos com uma mão e contamos com os dedos que antes só faziam cálculos de supermercado. Ora bem, mil milhões para ali, 150 mil milhões para acolá... parece tudo fácil e próximo. Sentimos que, de repente, passámos a ter um novo poder sobre quem nos governa: os zeros deixaram de significar nada para explicar tudo - e isso é poder. Infelizmente, esse poder é falso. Entender a dimensão dos números não é o mesmo que dominar os conceitos. Embora equipados para manter uma rápida conversa com o ministro das Finanças (dr. Teixeira dos Santos viu o dividend yield da PT?), a realidade continua presa fácil para demagogia.
Faz hoje uma semana, a 48 horas das eleições, Cavaco Silva disse à nação que se não fosse reeleito os mercados não nos iriam perdoar a ousadia: os juros iriam subir. Ora bem, o que aconteceu desde segunda-feira, cumprida a ambição de Cavaco? Pois é, os malditos juros voltaram a subir acima dos 7%, um valor mortal para qualquer economia com o nosso crescimento. É verdade que os economistas - como Cavaco - anteciparam nove das cinco recessões que tivemos (não é erro: nove em cinco!), mas de qualquer maneira não seria de esperar um número destes vindo de uma pessoa que até já nasceu duas vezes. 

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
28/01/11

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