19/12/2010

MANUEL MARIA CARRILHO

MANUEL MARIA CARRILHO
a boa distância

A última oportunidade?

O tempo dos paliativos chegou ao seu fim. A União Europeia vive hoje e amanhã dias decisivos, quando se reunirem em Bruxelas os líderes dos 27 países da U.E. Na mesa, estará uma alternativa a que o Conselho Europeu não pode fugir durante muito mais tempo. E essa alternativa é simples: ou a UE assume, e começa rapidamente a concretizar, o complexo projecto de um Governo económico da Zona Euro. Ou dificilmente se evitará o colapso do euro em 2011. Tudo o mais são de facto paliativos, como rapidamente se verificará.
É fundamental perceber-se que o grande problema da Europa não é hoje financeiro ou orçamental, como muitas vezes se diz e a maioria dos líderes - por paradoxal que isso possa parecer - gostaria que fosse. Não, o grande problema da Europa é eminentemente político e resulta, como há dias explicava Helmut Schmidt, da falta de visão e de vigor das suas actuais lideranças.
De resto, como se viu pela lenta e equívoca reacção dos mercados ao apoio europeu à Irlanda, o que hoje mais fragiliza a União Europeia é a sua arquitectura "constitucional", com a imagem de desorientação, de conflitualidade e de incapacidade que ela constantemente projecta. É esta situação que tem criado o caldo propício à especulação dos mercados, e pode conduzir ao pânico. Como o economista Daniel Cohen explicou nas páginas do Le Monde de sábado passado, a situação europeia incita os mercados na via das fulfilled prophecies, isto é, das profecias que, uma vez formuladas, tendem quase automaticamente a concretizar-se.
É justamente o que acontece quando, numa união monetária de Estados, se pressente que não existe efectiva solidariedade entre eles, que há elos fracos que podem tornar-se pontos de ruptura. O passo seguinte é apertar os mais frágeis, aumentando as taxas de juro dos seus empréstimos, o que por sua vez faz logo aumentar a sua dívida, surgindo assim o risco de incumprimento, o que provoca novas subidas dos juros, e assim sucessivamente, entrando-se assim numa espiral infernal que se torna muitas vezes incontrolável.
A falha está aqui - é por isso que o Japão, com uma dívida que ultrapassa os 200% do PIB, não passa pelos apertos que a União Europeia tem conhecido, com uma dívida que não chega a metade em percentagem do PIB. E é também por isso, e não só por causa do estatuto do dólar, que os mercados lidam com a gigantesca dívida americana de modo bem diferente, permitindo-lhes escapar à política de austeridade que faz receita única na Europa. É de notar que o recente compromisso de B. Obama com os republicanos se traduz num aumento da dívida americana num bilião de dólares nos próximos dois anos, sendo previsível que o deficit orçamental ande nos 9,5% em 2011, o dobro do previsto para a média europeia!
Há dez anos, a Europa aprovava com a Estratégia de Lisboa o ambicioso projecto de transformar a UE, durante esta década, na economia mais competitiva, mais criadora de emprego e com maior coesão social do mundo.Hoje, a União Europeia varreu essas ambições para debaixo do tapete, e prepara-se para fechar a década com um crescimento anémico de 1,1%, um desemprego a passar os 10% e uma dívida pública a bater recordes históricos, aproximando--se dos 90% do PIB.
É por isso muito inquietante a capitulação de N. Sarkozy, na última reunião franco-alemã, em Friburgo, face a uma A.Merkel cada vez mais manietada por um sufocante calendário político interno, com sete eleições no próximo ano. O eixo franco-alemão foi sempre determinante na construção europeia - sem a vontade deste eixo, não haverá nenhum Governo económico da UE.
Com modelos, ritmos e objectivos económicos divergentes, a UE continuará sem estratégia para enfrentar a crise, bloqueada pelo endividamento, incapaz de crescimento e cada vez mais depressiva - isto é, cada vez mais presa fácil da especulação dos mercados.
É nisto que estamos. Só a solidariedade dará ao euro a consistência que lhe tem dramaticamente faltado. O que significa que tudo depende das decisões políticas deste Conselho Europeu. Seria por isso bom que ele reflectisse nas palavras de Daniel Cohen, quando diz que, "se o pânico tomar proporções sistémicas, só com a bomba atómica será possível ganhar a guerra: como numa intervenção determinada do Banco Central Europeu para fazer baixar as taxas de juro dos países em perigo." Mas para ela ser eficaz, acrescenta, "a sua ordem de grandeza deverá ser muito superior, pelo menos dez vezes, à que se fez." A oportunidade é agora - e é talvez a última.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
16/12/10

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