22/11/2010

PEDRO TADEU

PEDRO TADEU

A natureza misteriosa do doutor Luís Amado

Luís Amado é, nas horas vagas, escultor. Dizem que, para amador, bastante competente. Está habituado a moldar os pedregulhos mais difíceis, socorrendo-se para isso dos instrumentos adequados - escopro, cinzel ou rebarbadora, qualquer coisa que sirva para obter o resultado pretendido, detalhadamente planeado depois de ter estudado e analisado os veios, as densidades e os outros múltiplos caprichos do mineral, duro mas quebrável.
Luís Amado, tal como quase todos os anteriores ministros dos Negócios Estrangeiros, beneficia com a indiferença simpática da opinião pública. Quase ninguém sabe muito bem o que ele faz mas toda a gente acha que deve ser importante, pois, se não fosse assim, não apareceria nas fotografias ao lado dos importantes do mundo.
Por outro lado, um ministro dos Negócios Estrangeiros raramente tem de fazer afirmações polémicas, pelo contrário: a diplomacia exige linguagem opaca, mais ou menos indecifrável, de preferência irrelevante, e, nessa arte cerebral do "não me comprometa", Amado, desde 30 de Junho de 2006, quando ocupou pela primeira vez o cargo, demonstrou ser um especialista apetrechado.
Que leva então este homem, que vence a resistência das pedras e é profissional da linguagem macia, decidir anunciar o fim próximo do Governo a que pertence? Porque pede o actual ministro de Estado uma coligação?
Pode ter sido por já não encontrar forma de este Executivo conseguir governar. Mas apenas há um ano Luís Amado, com acesso a imensa informação privilegiada, aceitou pela segunda vez a nomeação por José Sócrates. Não sabia já que isto ia acontecer? Ou, admitindo o erro de cálculo, estranho em tão notável cabeça, não teve tempo para perceber, entretanto, a situação? Porque não agiu em conformidade e bateu com a porta?
Que pretendeu obter Luís Amado, que não pode nem sabe agir por acaso, ao dinamitar o Governo a que pertence? Juntar os interesses da banca, da alta finança e da Europa de Merkel num apoio a um futuro Governo comandado pelo FMI? Garantir que o poder não vai para a esquerda? Ser ele o próximo primeiro-ministro? Ou, pelo contrário, antes que lhe caísse tal desgraça em cima, fazer uma pantomima para o impedir?
Amado dirá que, apenas, quer "salvar o País". Será. Mas, "como salvar o País" é processo discutível, temos, para já, o direito de saber, claramente, o que este homem pretende para si próprio nos próximos anos. Tenhamos, no entanto, uma certeza: como as pedras que o escultor trabalha, ele procura moldar a dureza destes tempos à sua visão... Ou seja, a seu favor. 

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
16/11/10

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