02/11/2010

PAULO PEREIRA DE ALMEIDA

PAULO PEREIRA DE ALMEIDA

Uma mentira na segurança

A relação entre o fenómeno da pobreza e o da criminalidade é - como, de resto, acontece com todos os fenómenos sociais -, complexa na sua natureza. Na verdade, afirmar que a pobreza é indutora da criminalidade, ou que a desigualdade social motiva (por si só) um aumento da criminalidade, merece uma particular ponderação e cuidado. Vejamos, pois, as duas teses científicas em confronto.
A primeira, e mais divulgada, é a tese de que as pessoas pobres cometem mais facilmente um crime. Esta tese assenta num perigoso pressuposto: o de que existe uma correlação entre crime e pobreza. Esta correlação implica dizer que à medida que aumenta a pobreza também aumenta a criminalidade. E porquê? Essencialmente porque, no raciocínio dos criminologistas que perfilham esta tese, as pessoas ponderam os benefícios e as consequências para quem comete um crime e - assim sendo - ponderam se têm mais a ganhar ou a perder com esse crime. Ora, se quem é pobre presume que terá muito pouco a perder (assumindo aqui que se pensa sobretudo em bens materiais), também serão as pessoas pobres que terão uma maior probabilidade para cometer crimes, em particular os chamados crimes contra a propriedade (como furtos, roubos, pequenos delitos). E a realidade é que estes representam sempre uma experiência traumática e muito incómoda para as vítimas. Em Portugal, equivalem a 56% da criminalidade na última década. A mais de metade da criminalidade, portanto.
A segunda tese, menos conhecida mas com evidências científicas cada vez mais fortes, é a de que um controlo científico da criminalidade pode - em épocas de crise e de aumento da pobreza - ser indutor da redução do crime. Não se trata - bem entendido - de uma tese que visa aumentar a repressão ou ir de encontro a um "Estado policial". Muito pelo contrário: o controlo do crime é visto como um dos principais factores para manter os níveis de segurança económica e, desse modo, evitar a degradação das comunidades e a entrada dos jovens em carreiras de crime e de desvio. É por esta razão que - paradoxalmente para os que defendem a tese anterior - as estatísticas de crimes violentos diminuíram 8% e as dos pequenos delitos 10% no mais recente período de recessão económica dos Estados Unidos da América: entre 2008 e 2009.
Há, pois, uma mentira na segurança: a de argumentar que a descida nas estatísticas da criminalidade é - por si só - um indicador da eficácia das Forças de Segurança (FS) e da acção do Ministério da Administração Interna. Não é verdade: o que distinguirá um governo que anda à deriva de um governo que pensa seriamente na criminalidade será uma avaliação integrada e científica do crime. Integrada, porque está disponível para todas as FS em tempo real e é partilhada de modo construtivo. Científica, porque recorre aos métodos de futuro, como o COMPSTAT e a Polícia baseada na inteligência. E, acima de tudo, séria, porque não se baseia em manipulações de circunstância - graves - ou em cortes cegos - e dramáticos - em apoios sociais

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
29/10/10

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