08/11/2010

MARTIM AVILEZ FIGUEIREDO






Pense oblíquo

Há um caminho que pode tirar Portugal da crise, mas obriga a pensar oblíquo. Um economista teorizou e o Dubai experimentou. Siga esta linha.

Portugal é hoje um país onde todos têm razão. Benjamin Franklin, o chefe de correios que acabou pai fundador dos Estados Unidos da América, disse assim um dia: "Que conveniente é ser uma criatura racional, isso permite-nos encontrar sempre justificações para as nossas ações". Parece que adivinhava.

É preciso lembrar: um orçamento do Estado é um compromisso com os cidadãos, uma negociação sobre a forma como um Governo se propõe gerir os recursos que são de todos. Ou seja, é um documento político, não um manual de finanças. E esta diferença importa: pode estar aqui a saída para a crise. Repare-se.

Primeiro: Portugal, os portugueses todos sabem que o aumento do IVA é inevitável e que as reduções dos salários dos funcionários públicos um problema que vem sendo adiado desde que eles dispararam (no pós -25 de Abril).

Segundo: Todos percebem, igualmente, que o Orçamento precisa de sinais do lado da economia. A redução da taxa social única, que o PSD e os principais economistas pedem, é uma solução boa. George Soros, esse mago de fazer dinheiro, disse esta semana: "Não se pode querer resolver o problema das finanças públicas de uma vez. Procurar o equilíbrio num ano é a receita para o desastre". Pois: mas quem empresta dinheiro tem medo de o fazer a Portugal - quer ver o país a acertar os seus gastos com aquilo que ganha. A cumprir o défice. O que permite avançar no raciocínio.

Terceiro: O défice é uma criação política. Nenhum financeiro, ou nenhum credor, empresta dinheiro a quem tem saldo negativo na conta. Politicamente, porém, decidiu-se outra coisa: não faz mal se o saldo negativo for inferior a 3%. E aqui está o ponto: politicamente aceita-se que os Estados apresentem saldos negativos. Aconteceu na Irlanda - politicamente encaixou-se um défice de 30%. Disparate?

Quarto: John Kay, o mais desconhecido entre os conhecidos economistas geniais, escreveu há uns meses um livro curioso. Nome: "Obliquity". Obliquidade, em engenharia de sistemas, é a teoria que diz que a melhor forma de atingir um objetivo quando se intervém sobre sistemas complexos consiste em tomar um caminho indireto - nunca o mais óbvio e direto. Kay aplicou-o à economia - quando a solução mais direta parece a melhor, procure-se a indireta, a linha oblíqua. Qual?

Quinto: Em novembro do ano passado o faustoso Dubai disse assim aos credores: é preciso renegociar a dívida, ganhar tempo para pagar os quase 40 mil milhões de euros combinados. Os credores estranharam: viram depois o novo Plano Estratégico do País, com um plano de crescimento até 2015. E aceitaram a solução oblíqua: injetar o dinheiro da dívida nessa estratégia de crescimento. Disse em setembro o xeque Mohammed Bin Rashid Al Maktoum, celebrando a obliquidade: "É claro que estamos de volta".

Sexto: Portugal, em 2011, tem de pagar 6,3 mil milhões de euros de juros sobre a dívida. O PEC II, esse documento esquecido, prometia investir pouco mais de um terço em três anos. A linha oblíqua diz: invistam-se os 6 mil milhões já - para animar a economia. Falta cá um xeque, para que os credores acreditem? Mude-se obliquamente o nome da chanceler alemã: El Mer kel. Aposto: ela prefere comprar uma dívida dilatada do que uma economia que, para pagar este ano, não paga a seguir. Não é fácil - é política, a arte de fazer os outros acreditar. Mas do Conselho de Estado, ontem, saíram linhas retas - essas que nada valem perante problemas complexos.

IN "EXPRESSO"
06/11/10

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