30/11/2010

FILIPE LUÍS


 



Um salário para Sócrates

Greve geral, muito bem. Terá grande adesão. E o que ganharemos nós com isso?..

Há poucos dias, fiquei a pensar no que me disse um trabalhador da administração pública: "Uma greve de protesto? Para demonstrar descontentamento? Mas que as pessoas estão descontentes já toda a gente sabe! Eu é que não vou dar um dia de salário ao Sócrates!" Outro interrogava-se: "Muito bem, vou para a greve geral. E depois, o que é que eu ganho com isso?" Palavras que confirmam uma teoria do filósofo, ensaísta e colaborador da VISÃO, José Gil: "As pessoas estão a perder o sentido de solidariedade. Perante uma crise extrema, é cada um por si." E palavras a que Torres Couto responde (pág. 52), sobretudo, com o argumento do da necessidade de reforço da legitimidade sindical.
Mas este egoísmo latente não se deve apenas à crise. A pergunta é
pertinente: o que é que as pessoas ganharam, nos últimos anos, com greves?

Alguma reivindicação foi satisfeita? Algum despedimento evitado? Algum salário aumentado? Que resultados concretos têm os sindicatos para apresentar? A própria ideia de protesto não se terá banalizado de mais, com a queixa e a reclamação sistemática? Não deixa de ser irónico que a única grande empresa, no setor privado, onde os trabalhadores conseguiram resultados, foi a Autoeuropa, que não conhece greves, mas sim uma negociação contínua, responsável e onde toda a gente veste a camisola. Uma alternativa às formas clássicas de luta sindical, que António Chora, líder da Comissão de Trabalhadores, com a ajuda de patrões ponderados (tão diferentes dos portugueses!...), implantou. Mas ali já se vive em padrões alemães ­ como se depreende do aumento de 3,9% que conseguiram para 2011...

A última grande luta sindical que produziu resultados foi a contestação dos professores contra o sistema de avaliação imposto pelo primeiro Governo de Sócrates. Curiosamente, o desiderato foi alcançado com poucas ou nenhumas greves. Uma estratégia de desgaste contínuo, com presença maciça nos órgãos de comunicação social e nos blogues, marcação cerrada à então ministra da Educação em todas as suas aparições públicas, chantagem da classe na declaração da intenção de voto (antes, tradicionalmente socialista), "catequização" de alunos e pais contra o Ministério, táticas de guerrilha culminadas com as batalhas em campo aberto, nas grandiosas manifestações em Lisboa ­ eis os ingredientes da luta. Luta que se desenvolveu para lá dos sindicatos, de uma forma frequentemente inorgânica e voluntarista: pode mesmo dizer-se que a própria Fenprof foi a reboque, aflita para apanhar o comboio das iniciativas não enquadradas do movimento de base.

Nestas páginas [edição n.º 925 da VISÃO], tentamos perceber quais as tendências das formas de protesto do futuro: presença nas redes sociais ou resolver tudo à bomba? Ao falar da iminência de uma revolta social, Isabel Jonet, do Banco Alimentar, pode estar a referir-se a formas violentas e paralegais de luta. Formas que escapam ao controlo sindical, este baseado em estruturas antiquadas, formatadas para o século passado e ineficazes, do ponto de vista dos ganhos para os trabalhadores que representam. Greve geral, muito bem. Decerto, terá adesão esmagadora. E o que ganhamos nós com isso?

IN "VISÃO"
23/11/10

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