16/11/2010

ANTONIO GOMES MOTA







USURA

Recebi há dias um folheto promocional de uma instituição de crédito que me propunha a utilização de uma linha de crédito pessoal, aparentemente com um mínimo de burocracia e grande agilidade na disponibilização do dinheiro, com pagamentos até 24 meses e uma taxa de juro nominal de 27.4%, que se transforma numa taxa efectiva, TAEG na linguagem bancária, superior a 30%.

Embora tivesse uma ideia mais ou menos aproximada do nível exorbitante a que poderiam chegar as taxas praticadas neste tipo de crédito, motivado pela recepção do respectivo folheto, procurei ir averiguar da existência de algum enquadramento legal sobre a matéria.

E cheguei à conclusão que há um Decreto – Lei, o nº132/09 de 2 de Junho, que comete ao Banco de Portugal a responsabilidade de trimestralmente publicar as taxas máximas que podem ser praticadas nos diferentes tipos de crédito pessoal, indicando o método de tal limitação, um terço para cima da média das taxas praticadas pelas instituições de crédito. Consultado o site do Banco de Portugal, verifico que para o trimestre em curso o limite imposto ao tipo de crédito que consta do folheto que recebi é de 32.9%, ou seja a taxa que me foi proposta é imaculadamente legal.

Os defensores da economia de mercado pura e dura certamente que aceitarão esta prática, questionando até a bondade da limitação de uma taxa máxima, que restringe o livre funcionamento do mercado e das práticas concorrenciais.

Pessoalmente entendo que a legislação mais do que regular limites está a verdadeiramente a tornar legal a usura despudorada enquanto actividade económica.

A sustentação da prática de taxas de vinte e muitos por centos apenas pode derivar de uma de duas situações: ou a obtenção de uma margem injustificável do ponto de vista económico e moral, evidenciando falha de mercado, com ausência de concorrência efectiva e que assim carece de regulação urgente, ou deriva de um quase jogo de casino em que a maioria dos utilizadores não paga e consequentemente aqueles que honram os seus compromissos têm de bancar pelos outros. Mas assim sendo, deve ser regulada e taxada como se de jogo se tratasse.

Numa ou noutra situação, este fenómeno merece maior atenção e acção determinada e firme. O Estado deve naturalmente respeitar a livre vontade dos cidadãos em contratualizar o que entendem e com quem entendem, mas dentro de regras que protejam os menos avisados ou os mais desesperados. Numa conjuntura económica tão difícil, que coloca diariamente pessoas em situações de carência extrema, não é aceitável que haja negócios que se sustentem na usura descarada, que existirá sempre, é certo, mas remetida à condição de clandestinidade, e não deve ser o Estado a legalizá-la tranquilamente.

IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
12/11/10

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