03/10/2010

MARINA COSTA LOBO



A estratégia de Passos Coelho é um enigma

Depois de andar meses em suposta oposição frontal ao Governo

Depois de andar meses em suposta oposição frontal ao Governo, e a um orçamento cujas linhas haviam sido anteriormente acordadas aquando da aprovação do PEC, parece agora que Pedro Passos Coelho e o PSD vão deixar passar o orçamento de Estado que o Governo de Sócrates irá brevemente apresentar. Por razões económicas, claro. Mas também por razões políticas e estratégia eleitoral. Há pressão de Cavaco Silva, e até de Durão Barroso, que apelou hoje (quarta-feira) ao entendimento entre os dois partidos, e à responsabilidade. Mesmo Barack Obama dá uma ajuda a Sócrates, com a sua vinda a Lisboa em Novembro.

Vamos partir do princípio que o PSD tem uma liderança racional, que pretende ganhar eleições, e malta razoavelmente inteligente na direcção do partido. Em que plano é que as opções tomadas nos últimos meses por Passos Coelho fazem sentido, do ponto de vista da consolidação da sua liderança e da sua tentativa de dentro de pouco tempo se tornar no próximo primeiro-ministro de Portugal? É difícil vislumbrar.

Vejamos bem. Quando Passos Coelho ganhou as eleições no PSD assumiu logo uma postura de responsabilidade e conciliação com o Governo. Anunciou-se um pacto para a aprovação do PEC e todos gabaram a capacidade de entendimento da classe política perante a ameaça dos mercados internacionais sobre a dívida pública portuguesa. Na altura, até o El País dava Portugal como exemplo da responsabilidade perante uma ameaça externa. De imediato, Passos Coelho e o PSD começaram a subir nas sondagens e ultrapassaram o PS. Tudo seguia bem, portanto.

Mas de repente, Passos Coelho, de sua livre iniciativa, começou a desdobrar-se em actividades desnecessárias e prejudiciais para si e para o seu partido. Deu início a meses de confrontação e crescente polarização do debate político e ideológico. Economistas reputados, da área do PSD diziam que se governaria até melhor sem orçamento, visto que com duodécimos não se gastaria mais. Sem no entanto explicar como é que afinal se poderá reduzir ainda mais o défice. Depois, puseram a circular informações que o Presidente da República iria demitir o Governo até dia 9 de Setembro, dia em que esses poderes terminavam por limites temporais ditados pela Constituição. Dia no qual este poder evidentemente não foi utilizado.

Sem perder tempo, avançaram com uma proposta de revisão da Constituição, em que, num quadro de desemprego e de grandes dificuldades económicas gerais se propunha pôr em causa os direitos sociais de cidadania. Coisa da qual nenhuma parte substantiva do eleitorado quer ouvir falar. Ainda esta semana, Jorge Miranda, em entrevista ao Público, assume que esta revisão constitucional não tem razão de ser neste momento.

Tudo isto faria sentido se a estratégia fosse de facto forçar eleições, ou na impossibilidade destas, forçar o Governo a entrar em gestão para os próximos meses. Em língua portuguesa, não aceitar um orçamento significa votar contra ele. Mesmo que isso agora pareça ser um cenário já descartado, a forma totalmente errática com que Passos Coelho se tem comportado sugere prudência até à votação na Assembleia da República.

Em ciência política, é comum partir do princípio da racionalidade dos actores políticos. Significa isto que se atribui a todos os líderes políticos a capacidade de, perante um objectivo, e com alguma informação, o de escolher o melhor caminho para alcançar esses mesmos objectivos. Mas há qualquer coisa de sistematicamente irracional nos líderes recentes do PSD, dificilmente explicável à luz dos conhecimentos que existem sobre os processos políticos. Por exemplo, a decisão de Manuela Ferreira Leite de não fazer campanha eleitoral nas últimas eleições desbaratando a vitória nas recentes europeias, ou agora toda esta conduta de Passos Coelho.

Se, até justamente, o PSD apenas queria contribuir para que o governo tomasse mais medidas de cortes de despesa do Estado, devia tê-lo feito sem perder a postura de credibilidade que interessa a um partido que quer ser Governo.


Politóloga

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
30/09/10

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