12/10/2010

JOÃO MARCELINO

JOÃO MARCELINO
Um miserável jogo político
1. Depois de ganhar as últimas eleições, José Sócrates entendeu oportuno fingir que estava interessado em negociar com os partidos da oposição um governo de maioria para a legislatura. Chamou os respectivos líderes a São Bento, disse- -lhes meia dúzia de palavras, todos desabafaram à saída e no fim - rápido - o primeiro-ministro constituiu o governo minoritário que tinha idealizado. O frete foi de todos. Nem José Sócrates queria companhia nem ninguém na oposição tinha qualquer intenção de lhe dar passaporte para quatro anos de tranquilidade governativa.
Enquanto na maioria dos países onde a democracia está sedimentada os políticos entendem o voto como uma responsabilidade que devem aos eleitores e ao País, os líderes da política em Portugal comportam-se como credores dos votos que julgam faltar-lhes. A eleição deveria ser um ponto de partida, mas tornou-se um ponto de chegada. Nisso, não há diferenças significativas e todos são culpados.
Esta evidência é a prova de que Portugal andou para trás desde a altura em que homens como Mário Soares, Sá Carneiro, Freitas do Amaral, Pinto Balsemão e outros souberem colocar o interesse colectivo acima dos interesses pessoais e dos respectivos partidos. Antes das maiorias absolutas de Cavaco Silva, Portugal teve a Aliança Democrática (PSD+CDS), o bloco central (PS+PSD) e até uma coligação entre o PS e o CDS. Outros tempos e outros homens.
Hoje parece que só a coligação PSD/CDS, sancionada recentemente por Durão Barroso e Santana Lopes, é considerada possível - e natural.
O PS, já foi assim com António Guterres, não consegue resolver o dilema de encontrar entendimentos. Está pressionado pelo crescimento da esquerda, pelo complexo da direita e pelo medo da aliança ao centro. A personalidade de José Sócrates piorou esta incapacidade para gerar acordos.
2. A última consulta popular decorreu num ambiente que aconselhava ainda mais a negociação.
Lá fora havia uma gravíssima crise financeira. Cá dentro o desemprego disparava, a necessidade de endividamento crescia e o défice era assaltado pelas consequências do festim eleitoral. Mas nem assim foi possível qualquer entendimento.
Hoje, numa situação ainda mais difícil, e nem sequer estando já em causa a necessidade de um governo, mas "apenas" a aprovação de um instrumento essencial à credibilidade do País perante os financiadores internacionais, a incapacidade de diálogo dos principais actores da política portuguesa é absolutamente chocante.
A esquerda exclui-se, como sempre.
O PS ensaia a vitimização e nem sequer procura alternativa ao PSD, que era possível com o PP.
E, finalmente, o PSD, apertado pela perspectiva de pela segunda vez assinar um cheque em branco a José Sócrates, parece firmemente determinado em elevar a fasquia e tornar plausível o cenário de termos de viver sem orçamento.
Uma outra cultura de diálogo obrigaria um qualquer primeiro- -ministro, tocado pela responsabilidade de conduzir o País nesta hora de angústia colectiva, a procurar alternativas, a fazer tudo o que lhe fosse possível para conseguir a aprovação do Orçamento do Estado.
É certo que ainda há tempo e a dramatização pode acabar em nada. Mas é revoltante que nem num cenário destes os dirigentes partidários tenham capacidade para poupar o País, ao qual pedem constantes sacrifícios, a este miserável e constante jogo político.
A selecção nacional de futebol, desligado o "piloto automático", regressou às vitórias. Não foi brilhante mas, tendo mudado a qualidade da liderança, viu-se claramente outro empenhamento dos jogadores. Agora "apenas" é preciso recuperar a confiança do público e a alegria colectiva do tempo de Scolari, que transformava cada jogo numa festa na qual toda a gente queria participar. Da mediocridade dos últimos dois anos não rezará a história.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
08/10/10

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