O poder
Incomoda-me que o número três do ranking dos mais poderosos da economia portuguesa seja o Presidente de Angola
Ao longo das últimas semanas, o Jornal de Negócios publicou um ranking das personalidades mais poderosas da economia portuguesa em 2010. O trabalho é inatacável do ponto de vista jornalístico, corajoso e bem fundamentado. E pode servir, porque é tudo isso, a inúmeras leituras sobre a estrutura do poder económico e sobre o estado da nação em Portugal. Não me interessam tanto as petites histoires sobre os que eram e deixaram de ser, muito menos as misérias dos pequenos napoleões que afinal pouco são. Interessam-me algumas reflexões mais genéricas, entre as muitas que podem ser feitas a partir do trabalho:
1 - Incomoda-me que o número dois do ranking dos mais poderosos da economia seja o primeiro ministro de Portugal. Quer ele se chame José Sócrates, quer seja rebaptizado Pedro Passos Coelho. Com tanta conversa sobre liberalismo, neoliberalismo e outros fantasmas que tais, a verdade é ainda, goste-se ou não, a de sempre: o peso do Estado na economia (que não se mede necessariamente em interesses económicos diretos) é muito maior do que parece e sobretudo do que deveria ser. Alimenta, estimula, convida perversas promiscuidades entre poderes políticos e económicos que são, cada vez mais, a base do nosso modelo de (sub)desenvolvimento.
2 - Incomoda-me que o número três do ranking dos mais poderosos da economia portuguesa seja o Presidente de Angola. E não apenas pelas razões já aduzidas, porque é mais uma prova da política a jogar no tabuleiro da economia. O facto incomoda-me, sejamos francos, porque não gosto do paradigma em que assenta boa parte do desenvolvimento económico angolano. Total confusão entre interesses públicos e privados, corrupção, desequilíbrios sociais gritantes. O dinheiro parece fácil e é muito, mas é este o modelo que queremos importar para a nossa economia?
3 - Se nos ativermos a factos, é cedo para comentar a posição de Ricardo Salgado no primeiro lugar do ranking. Em bom rigor, é uma boa notícia ver um empresário privado a "liderar" a lista dos poderosos da economia nacional. As reservas, a existir, serão de outra índole e só poderão ser aferidas por uma análise dinâmica deste ranking. Uma rotatividade dos principais rostos e polos do poder é um sintoma de uma economia aberta e alicerçada no mérito. Pelo contrário, uma rigidez na composição desta elite de poder - mesmo quando composta exclusivamente de empresários privados - é um sintoma de uma economia doente, feita de entraves à entrada de novos atores e de corporativismos variados que lhe minam a sua competitividade. Daqui a meia dúzia de anos, será seguramente interessante observar "o que sai" de uma análise destas.
4 - Finalmente, tenho pena que o trabalho não pudesse versar também sobre instituições. Qual será o poder da Maçonaria ou da Opus Dei na economia portuguesa? Qual será o poder da Igreja, das ONGs, dos ativistas ambientais? Qual será o poder dos grandes escritórios de advogados e, porque não perguntá-lo, dos principais media?
O poder, nas sociedades civilizadas, deve ser escrutinado. Para que o seja é preciso, antes de mais, conhecê-lo. O Jornal de Negócios deu, a essa causa, um bom contributo.
in "VISÃO"
16/09/10
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