Não tenho Facebook. Serei normal?
Eu não tenho Facebook. E não ter Facebook, no círculo de amigos em que me movo, é mais ou menos o mesmo que ser jogador de futebol e não ter um carro desportivo com pintura berrante e jantes foleiras. Em geral, desculpo-me com a falta de tempo: "A produção de filhos é incompatível com o investimento nas redes sociais." Mas a verdade é que só o conceito de "adicionar amigos" ou a ideia de descobrir, 20 anos depois, os tipos com quem andámos à escola, tem sobre mim efeito semelhante ao da kryptonite sobre o Super-Homem. Ou seja, lembra-me o tempo em que vivia noutro planeta e não tinha quaisquer poderes.
Vejo pessoas à minha volta rejubilarem com a foto do coleguinha do nono ano que acabaram de descobrir num canto obscuro do Facebook, de como não o viam há década e meia, de como casou com a colega de carteira, teve gémeos e engordou 20 quilos. As pessoas adoram banhar-se em nostalgia. Compreendo. Mas em nostalgia eu não gosto de enfiar nem um dedo do pé. Até porque fui dos que engordaram 20 quilos. E só não pus a hipótese de casar com a colega de carteira porque ela me considerava tão apelativo quanto um protozoário.
A minha adolescência foi passada enfiado no meu quarto, com os dentes mais encavalitados do distrito de Portalegre, alheado de quaisquer grupinhos na escola e regularmente escorraçado por todas as miúdas que achava giras. Ou seja, os chamados "anos da parvoeira" (definição da minha mãe) não foram mais do que um longo convívio comigo próprio. É esse mundo que o Facebook me permite agora recordar? Eh, pá, obrigadinho.
Não. Eu nunca fui sociável. E sempre me irritou aquela gente que acha genuinamente que é nossa amiga só porque andou connosco na escola em 1986. Já me aconteceu em encontros ocasionais: grandes abraços, omoplatas comprimidas, e eu a pensar, pendurado no meu melhor sorriso amarelo, "mas este foi o gajo que me deu um carolo na cabeça no sétimo ano só porque me sentei no lugar dele – ah, como o odiava!".
Meus caros leitores: o passado é um lugar perigoso e há riscos que não se devem correr. Entrar no Facebook e começar a adicionar (velhos) amigos é como rever ‘Os Soldados da Fortuna’ já em idade adulta. É tamanha a foleirice, que nos sentimos idiotas por aquela ter sido a nossa série de televisão favorita da década de 80. Há memórias – acreditem – que mais vale deixar em paz.
in "CORREIO DA MANHÃ" 20/06/10
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