13/06/2010

PEDRO IVO CARVALHO



Cumprir o sonho de Samuel Eto'o

Na mais recente edição da revista "Time", o jogador de futebol camaronês Samoel Eto'o foi alcandorado a um patamar que normalmente vemos preenchido por chefes de Estado ou figuras que de alguma forma corporizem um certo ideal heróico.

O pretexto era óbvio: o Mundial de futebol que hoje começa na África do Sul. O motivo é que se torna mais complexo: Samuel Eto´o, o franzino negro que se transcende em campo, simboliza o que de pior teve o continente africano e o que de melhor pode ter o continente africano. Cresceu na pobreza, perseguiu um sonho e transformou-se num ícone mundial. Graças ao futebol, "ganhou" uma consciência. "Este desporto é puro sentimento que ultrapassa todas as fronteiras e a melhor arma contra os conflitos políticos", desabafou ele à revista norte-americana.

É verdade que esta visão pode ser redutora, por ser demasiadamente romântica. Mas o futebol, no caso concreto de África, é muito mais do que um desporto e muito mais do que uma indústria feroz que só visa o lucro. Basta ver, como eu tenho visto por estes dias na África do Sul, o fervor com que os adeptos celebram a chegada do Mundial, a forma enternecedora como as nações se cruzam nos despiques verbais que antecedem os desafios, basta constatar que, por mais inebriante que possa ser, a paixão por este desporto, por este espectáculo, não pode ser medida apenas pela calculadora dos patrocínios, dos shares televisivos e da visibilidade nas redes sociais.

Por isso não me venham com a conversa do costume: eu não compro a teoria da alienação colectiva. Sobretudo porque há toda uma dimensão purista deste fenómeno que permanece por resgatar: qualquer um, seja alto, baixo, gordo, homem, mulher, velho ou criança, rico, pobre, cristão, judeu ou hindu, tenha uma bola de couro ou feita de meias, pode jogar futebol. Fosse o resto do Mundo assim tão democrático e decerto marcaríamos mais golos em mais balizas.


in "JORNAL DE NOTÍCIAS"
11/06/10

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