22/06/2010

A. MARINHO E PINTO


O casamento gay

A sociedade portuguesa tem sido sobressaltada por mudanças ao nível dos costumes que alguns julgariam impossíveis há algumas décadas atrás. A interrupção voluntária da gravidez, a educação sexual nas escolas, a distribuição gratuita de preservativos e, mais recentemente, os casamentos de pessoas dos mesmos sexo, são alguns desses exemplos.

Longe vão os tempos em que a pílula e os preservativos se compravam nas farmácias quase às escondidas e, às vezes, por sinais codificados, mais ou menos como hoje alguns cavalheiros compram o Viagra.

Ainda sou do tempo em que as minhas colegas de faculdade não podiam usar calças nas aulas de certos professores e se ousassem ir a alguma das duas discotecas de Coimbra, que, por sinal, se chamavam «boites» (o «ETC.» e o «LD»), eram logo apontadas a dedo como exemplos de libertinagem. As coisas, felizmente, mudaram.

Porém, as controvérsias em torno do aborto, dos casamentos gay e, sobretudo, da possibilidade de adopção por parte de casais do mesmo sexo significam que as mudanças não são tão profundas como aparentam.

Deixemos de lado a questão do aborto que é hoje uma «conquista» relativamente consolidada para a maioria da população portuguesa e analisemos o casamento gay e a possibilidade de se estender o regime da adopção a pessoas do mesmo sexo.

O casamento é uma instituição que tem uma dupla dimensão. Por um lado, é um contrato de direito civil e, por outro, é um sacramento para a igreja católica.

Contudo, seja numa dimensão, seja na outra, o casamento é uma «invenção» do Homem e, como tal, sujeito às contingências e relativismo das criações humanas. Não é necessário perfilhar a perspectiva marxista, expressa por Friedrich Engels (no seu livro «A origem da família, da propriedade privada e do estado»), para se compreender que a instituição matrimonial visou responder a interesses e necessidades sociais, económicos, religiosos e políticos específicos, cujo figurino se foi alterando consoantes as épocas, as religiões, as sociedades, as culturas, os sistemas políticos e ideológicos, etc. .

Desde as primitivas «hordas», aos casamentos consanguíneos, sindiásmicos, poligâmicos, poliândricos ou monogâmicos, a instituição matrimonial foi sempre o resultado de concretas opções histórico-sociais. Ainda hoje, a instituição matrimonial não é a mesma em todo o mundo, como o atesta o facto de a poligamia ser admitida em vários países.

Assim sendo, não é lícito encarar o casamento numa perspectiva unicamente religiosa e, muito menos, tentar impor essa visão a toda a sociedade. Para o estado, o casamento é um contrato jurídico que gera, ex novo, um conjunto de direitos e deveres para cada um dos contraentes. Para as pessoas, ele é um projecto de vida em comum entre dois seres humanos que nasce de uma opção individual de cada um. E, se é verdade que o casamento na sua origem e ao longo da sua vigência histórica só era possível entre indivíduos de sexo diferente, nada impede que esse requisito seja alterado.

Também, ao logo dos tempos, ele foi considerado vitalício, mas hoje todos aceitam que ele pode ser dissolvido. A própria igreja admite o fim do casamento religioso. Os respectivos processos são regulados pelo direito canónico e correm nos tribunais eclesiásticos.

Todo o ser humano tem o direito de escolher livremente a pessoa com quem quer estabelecer uma comunhão de vida, não podendo o Estado negar a formalização jurídica dessa comunhão através do contrato próprio que é o casamento. São as vidas dessas pessoas que estão em causa e só elas poderão decidir com quem as partilhar.

O casamento, enquanto instituição criada pelo Homem, pode a qualquer momento ser alterado pelo próprio Homem, quer quanto aos seus pressupostos jurídicos, quer quanto às suas finalidades sociais, quer quanto ao seu figurino institucional.

Porém, o mesmo já não deve acontecer em relação à adopção por parte de pessoas do mesmo sexo, casadas ou não. Já não são só as vidas dessas pessoas que estão em causa, mas sim as de terceiros, que, nem sequer têm a capacidade biológica e jurídica de exprimir adequadamente a sua vontade.

Ninguém tem direito a adoptar crianças. Estas é que têm direito a ser adoptadas. Têm direito a um pai e uma mãe que substituam os seus pais biológicos e não a uma família em que um homem desempenhe a função da mãe ou uma mulher o papel do pai. Só pessoas de sexo diferente podem gerar filhos. Foi assim que a natureza estabeleceu a reprodução. Por isso, o Homem não deve tentar alterar aquilo que a natureza organizou.

"JORNAL DE NOTÍCIAS"
20/06/10

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