27/05/2010

FRANCISCO MOITA FLORES




Miserável

Estou a ver os gatunos na PSP ou PJ a explicarem-se: aconteceu-me o mesmo que o senhor deputado.

A Comissão de Ética da Assembleia da República resolveu arquivar o caso do deputado Ricardo Rodrigues. Não admira. Ela espelha o que é a dimensão ética do deputado em apreço. Nem melhor, nem pior. A imagem da própria imagem. Ou seja, uma casa que nada faz para se prestigiar e tudo faz para se autoflagelar. O deputado, ao apropriar-se dos gravadores dos jornalistas que o entrevistavam para a revista ‘Sábado’, não tem justificação, nem viabilidade de ser explicada como ele a explicou por via do sofrimento insuportável que lhe estavam a provocar. Não há artifício jurídico que albergue o acto despudorado a que assistimos através do vídeo que circula na Internet. Uma vergonha para o Parlamento.

É certo que quem está na vida pública é sujeito aos mais desencontrados enxovalhos. Às perguntas mais disparatadas, às insinuações mais pérfidas. Acontece e os jornalistas não são anjos seráficos, apenas apostados no bem público. Como em todas profissões, existem profissionais de excelência e tipos sem escrúpulos. Não são celestiais. São homens. Dito isto, é preciso também dizer que os deputados e outros titulares de cargos públicos não são deuses. Nasceram do mesmo barro que faz cada homem igual a outro homem no que respeita a direitos. Mas têm deveres acrescidos. Representam o Povo. Os eleitores. Não são (não deviam) ser profissionais da política mas profissionais que em dado momento da sua vida se desprenderam dos seus objectivos individuais para se entregarem à causa pública. A atitude do deputado Ricardo Rodrigues não é exemplo. É um acto caceteiro. Principalmente a explicação que dá. Manhosa e insustentável. Um artifício pouco engenhoso mas original. Estou a ver os gatunos a entrar na PSP ou na PJ a explicarem-se: Aconteceu-me o mesmo que ao senhor deputado. Vi a mala da senhora, que recordava a mala da minha falecida mãezinha, e dominado por um sofrimento horrível exerci a acção directa, senhor guarda. Nada de roubo, apenas a expiação do meu sofrimento por acção directa! A mala? Está apensa a um processo que movi contra a mulher que a levava!

Uma entrevista não pode provocar sofrimento. Ninguém é obrigado a ser entrevistado. Nem os arguidos quanto mais cidadãos livres. Quem não quer responder, não responde, não aceita a entrevista ou, se aceitou, termina-a quando quiser. O resto é barbárie. E maior barbárie ser solidário com casos como este. Uma vergonha sem limites. Mas já nos vamos habituando a esta baixeza moral que degrada a democracia e as instituições públicas. Cada vez mais circo, cada vez menos sério. Uma tristeza.

in "CORREIO DA MANHÃ"
16/05/10


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