04/05/2010

FERNANDA CÂNCIO





Subsídios para a perplexidade

Não sendo economista nem tendo especial queda para os números, tenho pejo em falar de questões com eles relacionados. Mas, precisamente por isso, gosto que quem fala fundamente o que propõe ou decide. Assim, quando vejo o primeiro-ministro e o líder do principal partido da oposição, depois de reunidos para discutir a situação difícil do País e, presumo, formas de dela sair, perfilarem-se para anunciar a aplicação imediata do PEC mencionando com especial ênfase a alteração das regras do subsídio de desemprego, espero que me digam, de imediato, em que é que isso diminui o défice ou contribui para alterar a situação da dívida externa.

Espero ainda - ou melhor, exijo - que me façam perceber por que raio, no universo das medidas do PEC, o destaque na reacção de Portugal à avaliação desfavorável de uma empresa de rating consiste no anúncio da diminuição dos montantes do subsídio de desemprego - alegando que com isso se pretende certificar que ninguém ganhe mais com o subsídio que o que ganhava com o salário - e da obrigatoriedade imposta aos seus beneficiários de que aceitem empregos com salário 10% superior ao valor de subsídio auferido. E exijo-o tanto mais quanto as regras existentes desde 2006 para atribuição e manutenção do subsídio de desemprego não só estabelecem como montante máximo para o mesmo três salários mínimos, pagos 12 meses/ano - ou seja, qualquer que tenha sido o valor do salário auferido e das decorrentes prestações para a Segurança Social, o desempregado só pode receber até cerca de 1500 euros/mês -, como já é interdito existir um subsídio de desemprego superior ao valor líquido da remuneração de referência (número 3 do 29.º artigo da lei 220/2006). Aliás, o subsídio de desemprego é sempre 65% da remuneração de referência, calculada a partir do total de remunerações registadas no ano que antecede o desemprego. E os beneficiários do subsídio são já obrigados a, além de fazerem prova documental de "procurar activamente trabalho" e de se apresentarem quinzenalmente no centro de emprego (qualquer incumprimento tem de ser justificado com um mês de antecedência), aceitar um emprego que lhes garanta um salário ilíquido 25% superior ao subsídio de desemprego (se a oferta ocorrer durante os primeiros seis meses da prestação do subsídio) ou 10% (a partir do sétimo mês). São até, pasme-se, obrigados a aceitar "trabalho socialmente necessário".

Temos pois, parece, uma lei já suficientemente draconiana - tanto que é difícil distinguir o proposto do que está em vigor. De modo que, e volto a perguntar, que foi mesmo este anúncio e serviu para quê?


"Jornalista"

"DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
30/04/10

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