23/04/2010

2 - GUERRA COLONIAL


A Organização de Unidade Africana

Formalmente constituída em Adis Abeba em Maio de 1963, a Organização de Unidade Africana (OUA) assentava sobre algumas das bases de cooperação africana estabelecidas pela Conferência de Lagos tanto a nível geral como regional, com a missão de reforçar a unidade e solidariedade dos estados africanos, defender a sua integridade territorial e autonomia, e eliminar, sob todas as formas, o colonialismo em África. Este último tornar-se-ia o principal objectivo da organização, mediante intervenções perante o Conselho de Segurança da ONU, como no caso da reunião urgente deste Conselho para a avaliação da conduta portuguesa para com as colónias africanas.

A OUA estabeleceu um Comité de Ajuda aos Movimentos de Libertação, com sede em Dar-es-Salam, onde integrava representantes da Etiópia, Argélia, Uganda, Egipto, Tanzânia, Zaire, Guiné-Conacri, Senegal e Nigéria. Esta ajuda distribuía-se pela criação de infrastruturas, treino militar e na compra de armamento.

Relativamente à questão colonial portuguesa, a OUA desencadeou acções no sentido do reconhecimento do Governo Revolucionário de Angola no Exílio (GRAE), formado pela FNLA e Holden Roberto, em 1964. Este apoio foi, contudo, transferido para o movimento MPLA de Agostinho Neto, a partir de 1967, em detrimento do primeiro, para, em Novembro de 1972, novamente serem reconhecidos ambos os movimentos, tendo em vista a sua união. A legitimação da UNITA como organização anticolonialista pela OUA só se viria a verificar nas vésperas do Acordo de Alvor (1974). Em 1964, a OUA reconheceu o PAIGC como o legítimo representante da Guiné-Bissau e Cabo Verde, bem como a Frelimo para Moçambique, em 1965.

Afora a questão portuguesa, a OUA ainda se esforçou por afastar a intervenção das potências externas durante a guerra da secessão do Catanga (1960-65), a declaração unilateral da independência da Rodésia (1966-1979) e o conflito de Biafra (1967-1970).

O fim da guerra

Hastear da bandeira da Guiné-Bissau após o arrear da bandeira portuguesa, em Canjadude (1974).

O 25 de Abril de 1974, planeado e executado por militares dos três ramos das Forças Armadas Portuguesas, uma nova geração de oficiais de baixa e média patente, formada e criada na guerra, que aprendera a agir com autonomia, levantaria, sob a direcção do MFA, um período revolucionário que transformaria radicalmente o Estado e a sociedade. Embora inúmeros factores tenham contribuído para a revolução, a Guerra Colonial foi, desde sempre, apontada como a principal justificação para a queda irrevogável do Estado Novo em Portugal.

O Programa do MFA, da responsabilidade da sua Comissão Coordenadora apresentava, de forma inequívoca, a vontade de possibilitar a independência das colónias. Porém, a remoção desta alínea, negociada durante a noite de 25 para 26 de Abril, levantaria ainda alguns equívocos a respeito, que só seriam esclarecidos pela Lei 7/74 de 27 de Julho. Esta medida levantaria grande parte da cortina que separava o Estado Português de conseguir negociações com os movimentos de libertação. Dava-se assim início ao processo de descolonização.

Porém, a ambiguidade das primeiras posições relativas à nova política colonial gerou situações duvidosas que não puderam ser ultrapassadas sem graves desentendimentos. Cada redefinição do processo representava uma dura luta entre António de Spínola e a Comissão Coordenadora do Programa do MFA. Os dois projectos apresentados para essa nova política diferiam, sobretudo, nas questões ligadas com as futuras relações de Portugal com as colónias; mesmo os pontos concordantes seriam rapidamente submetidos perante a prova prática da realidade, o que exigiu, na maioria das vezes, a sua revisão. Assim, com o esclarecimento pela Lei 7/74, e posterior comunicado conjunto Portugal-ONU, publicado a 4 de Agosto, eram levantadas as últimas dúvidas, dando início à fase definitiva da descolonização.

Iniciaram-se as negociações com o PAIGC e com a Frelimo, que levaram à assinatura de protocolos de acordo. Em Argel, a 26 de Agosto ficava concluído o processo entre Portugal e o PAIGC, em que a ex-colónia era reconhecida como estado soberano, sob o nome de «República da Guiné-Bissau». O último contingente militar regressou da Guiné em 15 de Outubro.

Relativamente a Moçambique, seria assinado a 7 de Setembro, em Lusaka, um acordo conducente à independência moçambicana. Contudo, grupos organizados, num movimento contrário ao acordo, assaltaram as instalações da Rádio Clube de Moçambique, em Lourenço Marques e outras cidades, e seus emissores regionais, sugerindo a intervenção da África do Sul. Esta tentativa desestabilizadora do processo de paz viria a fracassar, sob a acção das Forças Armadas Portuguesas.

Relativamente a São Tomé e Príncipe e Guiné Portuguesa, foi assinado o Acordo de Argel em 26 de Novembro de 1974.

Quanto a Cabo Verde, o acordo entre Portugal e o PAIGC já estabelecia o princípio do acesso deste arquipélago à autodeterminação e independência. Em 17 de Dezembro seria publicado o Estatuto Constitucional de Cabo Verde, prevendo eleições por sufrágio directo e universal, a 30 de Junho de 1975. A assembleia instituída a partir daí proclamou a independência do território a 5 de Julho de 1975.

Quanto a Angola, a aproximação dos três movimentos de libertação constituía uma dificuldade para o governo português. Com efeito, pairava a possibilidade do alargamento de um confronto entre os países ocidentais, a África do Sul e a União Soviética. Spínola reunir-se-ia ainda com Mobutu, com alguma continuidade, mas viria a demitir-se do cargo a 30 de Setembro. Com Costa Gomes na Presidência da República Portuguesa, desenvolveram-se conversações dirigidas especificamente a cada um dos movimentos. Inicialmente, com a FNLA, posteriormente com o MPLA. Porém, as várias tentativas de restabelecer a paz em Angola e minimizar o impacto da descolonização seriam deitadas por terra rapidamente. A guerra civil arruinou a serenidade deste processo, agravando a situação interna, com milhares de vítimas e a fuga dos portugueses.

Também em Timor-Leste se verificou um período dramático, já que as autoridades portuguesas não tinham como dispor de capacidade para normalizar os conflitos, acabando a Indonésia por invadir a ilha.

Em suma, as condições oferecidas pelo novo regime para a descolonização, reconfigurou a situação no continente africano, com a criação de novos países independentes em busca dos seus próprios rumos e afirmação nacional, o que iria contribuir para o desmantelamento do Apartheid na África do Sul.

Consequências

Custos financeiros

Evolução das despesas extraordinárias das Forças Armadas Portuguesas e do Estado.

O Orçamento e as contas do Estado Português, ao longo das décadas de 1960 e seguinte reflectiram claramente o esforço financeiro exigido ao país durante a guerra. Obviamente, as despesas com a Defesa Nacional sofreram crescentes aumentos a partir de 1961, com o despoletar dos sucessivos conflitos em África. Estas despesas com as Forças Armadas classificavam-se, para efeito orçamental, como ordinárias (DO), de carácter normal e permanente, e extraordinárias (DE), respeitantes à defesa da ordem pública em circunstâncias excepcionais. A parcela mais importante das DE, os gastos com as províncias ultramarinas, inscrevia-se no Orçamento, na rubrica Forças Militares Extraordinárias no Ultramar (OFMEU). É interessante verificar que as despesas totais do Estado sofrem incremento acentuado a partir de 1967/68, coincidindo com a subida ao poder de Marcelo Caetano.

As dificuldades orçamentais encontradas pelas Forças Armadas Portuguesas levaram o Exército a estudar o custo mínimo para as forças em campanha (OFMEU), concluindo que o custo diário médio de um combatente era, em 1965, de 165 ESC para a Guiné, 115 ESC para Angola e 125 ESC para Moçambique. Por ano, equivalia, portanto, a cerca de 42000 ESC, de onde se derivou a fórmula V = 42n (sendo n o número de homens).

Os veteranos de guerra

Foram também vítimas da guerra os soldados que nela participaram, tornando-se uma das faces mais visíveis das consequências do conflito. Não obstante, os hospitais militares tornaram-se simultaneamente, para estes, um refúgio e um depósito onde a sociedade mantinha longe da vista os corpos amputados. Nem o Código de Inválidos de 1929, que visava dar um estatuto de reconhecimento e assistência aos feridos na I Guerra Mundial, evitou que ficassem na miséria, sem direito a assistência médica ou quaisquer regalias sociais.

Monumento aos Combatentes da Guerra do Ultramar, em Lisboa.

É também neste contexto que o 25 de Abril de 1974 mostra uma luz de esperança, ao ser instituída a Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA) que teve como primeiro acto a apresentação à Junta de Salvação Nacional de um conjunto de princípios reivindicativos, que possibilitavam a prestação de serviços de apoio aos associados, desde os processos burocráticos e administrativos, aos cuidados de saúde, reabilitação física e integração social. Esta associação conta com mais de 13 500 associados, ilustrando perfeitamente as necessidades sentidas pelos feridos de guerra. No entanto, alguns levantamentos estatísticos efectuados pela ADFA apontam a marca para os 25 milhares, durante todos os 13 anos de guerra. Em relação ao stress de guerra, a ADFA estima números bastante superiores aos apontados pelas fontes oficiais (560).

Na ex-Guiné Portuguesa, uma parte dos que combateram pelo lado do governo de Portugal contra o PAIGC, eram soldados ou milícias naturais do próprio território. Após a independência, a grande maioria desses combatentes foram abandonados à sua sorte em consequência de várias circunstâncias entre as quais a falta de definição do seu estatuto nos acordos assinados entre as forças beligerantes e à falta de capacidade de resolução de tantos problemas em simultâneo pelos novos governantes de Portugal durante a Revolução dos Cravos.

A principal consequência desses factos foi a sua perseguição e assassinato pelos seus antigos inimigos. Estima-se que tenham sido assassinados sumariamente milhares de ex-combatentes, havendo quem avance com números na ordem dos onze mil.

O 10 de Junho

Desfile militar por ocasião do Dia de Portugal, na avenida marginal de Luanda.

O regime aproveitou a data quase esquecida do 10 de Junho, que detinha uma conotação como o Dia da Raça, entretanto desactualizada, para transformá-la num grande evento de apoio à política colonial, sob pretexto de homenagear os heróis que a suportavam na frente de combate. O dia 10 de Junho passaria, assim, a carregar consigo uma identificação próxima com a defesa do regime e das colónias, enquanto as Forças Armadas eram chamadas para a demonstração do poderio militar português.

A primeira das celebrações realizou-se em 1963, no Terreiro do Paço, em Lisboa, para condecorar combatentes. Este modelo seguir-se-ia, com ligeiras alterações, até 1973: formatura geral dos três ramos das Forças Armadas, dispondo os alunos do Colégio Militar e do Instituto Militar dos Pupilos do Exército, seguidos dos cadetes da Escola Naval e da Academia Militar. Segundo o Diário de Notícias, edição de 12 de Junho desse primeiro ano, «quatro mil homens descansavam as mãos nas armas de guerra. Em volta, uma multidão silenciosa. A memória dos combatentes do Ultramar impunha respeito».

As cerimónias de condecoração de militares no 10 de Junho celebravam-se também nas regiões militares metropolitanas, no Porto, Tomar, Évora, Funchal e Ponta Delgada, presididas pelos respectivos comandantes, bem como nas capitais dos teatros de operações, Bissau, Luanda e Lourenço Marques, presididas pelos respectivos governadores.

Com a Revolução do 25 de Abril de 1974, o dia passar-se-ia a designar como Dia de Camões, Portugal e das Comunidades Portuguesas.

Nas artes

No cinema

No cinema português, a Guerra do Ultramar, ao contrário do verificado em outros períodos marcados pelas circunstâncias político-militares, não teve uma incidência directa, quer em actualidades, quer em reportagens, por dois motivos principais: a influência da censura e a posterior importância da televisão. Em contrapartida, o documentarismo mereceu um expressivo incremento nos países africanos envolvidos, especialmente Angola e Moçambique. Por outro lado, a Guerra Colonial reflectiu-se, desde meados da década de 1960, na área ficcional da cinematografia lusitana, explorando sobretudo os conflitos individuais. Destacam-se, a título de exemplo, um documentário longo, em 70 mm, produzido pelo Serviço de Informação Pública das Forças Armadas, Angola na Guerra e no Progresso (1971, Quirino Simões), baseado em Aquelas Longas Horas, de Manuel Barão da Cunha, com uma síntese dos acontecimentos de 1961 e a subversão do Leste a partir de 1967.

Após o 25 de Abril de 1974 e o levantamento da censura política, a produção cinematográfica alterava substancialmente o teor das produções, agora mais voltado para a exposição do pós-guerra. Produzido para a RTP, Adeus, até ao Meu Regresso (1974, António-Pedro Vasconcelos) narrava alguns casos significativos entre os milhares de soldados que combatiam na Guiné, a propósito das mensagens de Natal para as famílias; Incompleto ficou O Último Soldado (1979, Jorge Alves da Silva), sobre as dificuldades de readaptação conjugal e social de um oficial pára-quedista (João Perry) de regresso a Portugal; La Vitta e Bella (1979, Grigori Tchoukrai), uma co-produção luso-ítalo-soviética, filmada em Lisboa, sobre um taxista, ex-aviador militar que, durante a guerra de Angola, recusara abrir fogo e afundar um barco com mulheres e crianças; em Actos dos Feitos da Guiné (1980), Fernando Matos Silva, argumento com Margarida Gouveia Fernandes, encena, em forma de teatro de crítica, a relação histórica do colonialismo português e seus heróis, com excertos filmados na Guiné, em 1969-70; A Culpa (1980, António Vitorino d'Almeida), narra a obsessão de um ex-combatente da guerra da Guiné (Sinde Filipe); Em Gestos & Fragmentos - Ensaios sobre os Militares e o Poder (1982, Alberto Seixas Santos), Otelo Saraiva de Carvalho descreve o percurso, seu e dos seus camaradas do Movimento dos Capitães, que levou o país da Guerra Colonial ao golpe de estado do 25 de Abril; Um Adeus Português (1985), João Botelho e Leonor Pinhão evocam um incidente com uma patrulha que se perde no mato, com a morte de um furriel; Era Uma Vez um Alferes (1987, Luís Filipe Rocha), sobre a obra de Mário de Carvalho, produzido para a RTP, reconstitui um episódio em África, em que um alferes português pisa uma mina, que rebentará quando ele levantar o pé; Non ou a Vã Glória de Mandar (1990, Manoel de Oliveira), uma reflexão sobre a identidade da pátria por parte de alguns soldados, no final da Guerra, pouco antes do 25 de Abril, ilustrada desde o início de Portugal como nação independente.

Na literatura

Ao contrário da repercussão literária portuguesa em outras ocasiões belicistas, a Guerra Colonial contribuiu significativamente para a produção portuguesa. Com cerca de 60 romances em que é tema, e outros 200 em que é subtema, a literatura sobre os acontecimentos formam a única corrente de fundo centrada sobre a guerra. Também aqui, a dualidade do suporte versus oposição ao império só seria manifestada abertamente após a Revolução dos Cravos. Com efeito, as produções tenderam a dramatizar a culpa e assumiram um carácter anti-heróico, antimilitarista e auto-punitivo, como é o caso de Jornada de África de Manuel Alegre, em oposição à produção literária dos africanos lusófonos relativa à sua guerra de libertação. Entre as excepções a estas obras contam-se: A Vida Verdadeira de Domingos Xavier ou Nós, os do Maculusu, de José Luandino Vieira, As Lágrimas e o Vento, de Manuel dos Santos Lima, Mayombe, de Pepetela (todos romances angolanos), Angola, Angolé, Angolema, de Arlindo Barbeitos, os sete contos compilados em Nós Matámos o Cão Tinhoso, do moçambicano Luís Bernardo Honwana. Um exemplo marcante da literatura imparcial portuguesa foi a obra de António Lobo Antunes, em Os Cus de Judas ou em Fado Alexandrino.

Noutro contexto, a literatura técnica sobre a arte militar conheceu também importantes publicações sobre a experiência de combate por parte de fuzileiros, comandos, desertores e elementos dos corpos auxiliares.

Na poesia, Couto Viana, Bação Leal, Assis Pacheco preenchem a lacuna; no drama, Fernando Dacosta, n'Um Jeep em Segunda Mão; nos documentários, o diário Jornal de Campanha de Liberto Cruz; no romancismo, a prosa de Juana Ruas ou o romance Morte em Combate, de António Silveira.

wikipédia

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