29/03/2010

RUI MOREIRA



Que estabilidade é esta?

Depois do Orçamento, a cena repete-se com o PEC. O Governo organiza a agenda de forma a implicar a Oposição nas suas políticas, chantageando os outros partidos e acenando com as consequências externas decorrentes da sua não aprovação, tudo isto com o beneplácito do presidente da República. Ora, quando o partido mais votado nas eleições legislativas não alcança a maioria absoluta no Parlamento, e os poderes inerentes a uma tal maioria, deve ponderar se tem condições objectivas, em função dos equilíbrios de forças que pode estabelecer com os outros partidos e da conjuntura, para governar em minoria, ou se tem de procurar um parceiro de coligação ou um acordo de incidência parlamentar que lhe permitam governar.

O PS de Guterres governou sem maioria, e foi em parte por essa razão que não conseguiu introduzir as reformas políticas, administrativas e económicas que então se impunham. O desgraçado caso do "Queijo Limiano" ilustra bem a fragilidade de um governo minoritário no nosso quadro constitucional. Já o PSD de Barroso, pelo contrário, optou por negociar uma coligação com o CDS-PP, numa altura em que se tornou imperioso ao Governo, por força da crise orçamental, contar com o apoio maioritário do Parlamento.

Não seria difícil de prever que Sócrates teria dificuldades em governar em minoria, depois de ter contado durante cinco anos com o apoio da maioria absoluta do PS, e dadas as suas características pessoais, ou que lhe seria difícil entrar em acordo com qualquer outro partido. A sua animosidade pessoal com a líder do PSD impedia qualquer colaboração com o segundo maior partido, e na impossibilidade de fazer acordos com os dois partidos à sua esquerda, qualquer entendimento passaria por uma negociação com o CDS, o que lhe causaria contratempos dentro do PS. Sócrates viu-se assim condenado a governar em minoria, numa conjuntura particularmente adversa.

Sem grandes cartas na mão, Sócrates tinha um único trunfo. Sabia que para Cavaco Silva a estabilidade é um factor fundamental, e que essa condição lhe podia ser muito favorável. Por um lado, porque o PR considera que essa é condição necessária para navegar a crise. Por outro lado, porque o candidato Cavaco Silva, no seu último ano de mandato, orienta a sua actuação no sentido de ajudar Sócrates a governar sem, no entanto, se comprometer com um apoio explícito às políticas do Governo. Dessa forma, fragiliza o PS, inibe uma definição clara da estratégia do PS para as presidenciais e reforça a sua imagem tutelar junto dos seus apoiantes tradicionais e de outros sectores que olham a sua presidência como um mal menor. Quando Cavaco apela implicitamente ao voto dos partidos à direita do PS para viabilizarem o Orçamento e serem cúmplices do PEC, condiciona a estratégia do Governo, que se vê obrigado a ceder a algumas das exigências desses partidos, e controla a estratégia destes partidos, que temem que a sua recusa possa ser vista pelo eleitorado como antipatriótica ou irresponsável.

Por tudo isso, e mais uma vez, o país está refém de eleições presidenciais, porque os partidos sobrevalorizam o papel do PR no actual quadro constitucional. Também por isso, o PSD converteu-se num PRD de Cavaco, num partido cujo único desígnio imediato que une os seus barões é garantir a sua reeleição, enquanto o PS vegeta, incapaz de governar como as circunstâncias impõem, ou de negociar uma aliança e formar um Governo que possa levar a cabo as reformas de que o país precisa.

in "JORNAL DE NOTÍCIAS"
27/03/10

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