02/03/2010

PAULO FERREIRA


A justiceira

A justiceira

A procuradora-geral-adjunta, Cândida Almeida, lançou esta semana duas verdadeiras "bombas" para o terreno já bastante minado da Justiça portuguesa.

Na segunda feira, em entrevista ao "Jornal de Negócios", propôs o alargamento das famigeradas escutas telefónicas aos magistrados, de modo a poder controlar melhor as fugas cirúrgicas de informação sobre processos delicados que chega aos órgãos de Comunicação Social. Cândida Almeida lançou sobre os magistrados uma grave suspeita, ao colocá-los no rol de possíveis prevaricadores. A procuradora foi corajosa? Não. Foi ardilosa. Recorreu à velha táctica: atirou a pedra e escondeu a mão. No ponto em que as coisas estão, o pior que pode fazer-se é disparar para o ar suspeitas deste calibre. Se Cândida Almeida sabe de casos que sustentam a sua tese deve tratá-los nos lugares próprios e, eventualmente, divulgá-los; se não sabe, deve calar-se e ir atrás das provas que, então sim, lhe dariam suporte para falar.

Anteontem, no Parlamento, a intrépida procuradora voltou à carga. Na comissão que analisa os problemas da corrupção em Portugal, Cândida Almeida deu como certos os desentendimentos entre a Polícia Judiciária (PJ) e o Ministério Público (MP). De acordo com o relato da própria, parece que a PJ não gosta de receber ordens dos magistrados. O procurador-geral da República, Pinto Monteiro, já se tinha referido às relações entre as duas instituições como estando "assim--assim". A sua adjunta acha que não estão "assim-assim": estão mesmo mal. Tradução: a guerra surda entre PJ e MP passou, desde anteontem, a guerra aberta.

Carlos Anjos, presidente da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal, apressou-se a responder: "Há uma tentativa [do MP] para empurrar os seus inêxitos ou a sua ineficácia para cima da Polícia Judiciária".

Num momento em que, por força dos processos judiciais em curso que beliscam figuras gradas do Estado, que tocam (ou parecem tocar) muitos e espúrios interesses, que põem em causa a actuação de Pinto Monteiro à frente da PGR, que criam um clima de suspeita de que a corrupção medra sem parar, assistimos a este espectáculo de autoflagelação. Não está mal.

Não pode dizer-se que Cândida Almeida tenha prestado um grande serviço ao país quando decidiu despejar um balde cheio de suspeitas sobre os magistrados, ou quando optou por dar um puxão de orelhas aos investigadores da PJ, sem concretizar o que quer que fosse. Para o o comum dos mortais o efeito é apenas este: a Justiça sai mais descredibilizada (se tal é ainda possível) desta semana negra em que um dos principais agentes da Justiça decidiu armar-se em justiceiro.

in "JORNAL DE NOTÍCIAS" 27/02/10

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