04/03/2010

ALBERTO GONÇALVES


O eng. Sócrates não faz 'bullying'

por ALBERTO GONÇALVES

Terça-feira, 23 de Fevereiro
O eng. Sócrates não faz 'bullying'

Antigamente, se após ser espancada por um colega de escola uma criança fazia queixinhas aos mais velhos, essa criança era tecnicamente mariconça. Felizmente, na maioria das vezes a queixa resultava em espancamento em casa (por não se ter defendido), depois em novo espancamento na escola (por se ter queixado) e por aí fora, numa espiral de violência pedagógica que iniciava o petiz nas agruras da vida. Essa fase formativa deixou de existir. Hoje, a criança agredida é uma pobre vítima de bullying e, ao invés de uma lição, suscita alarme e mimos. Não admira que, legitimada na sua mariquice, nunca chegue a crescer excepto no tamanho e atinja a idade adulta tão indefesa quanto no dia em que levou o tabefe inaugural do rufia da turma.

Por isso, foi com tristeza mas sem espanto que soube do sucedido aos subordinados do primeiro-ministro inglês. Segundo consta, diversos funcionários de Downing Street habituaram-se a telefonar, aflitinhos, para uma linha nacional de apoio a alvos de bullying. O motivo? Gordon Brown costuma agarrá-los pelas lapelas e gritar- -lhes. Num mundo ideal, os choramingas seriam expostos em público e devidamente humilhados. No mundo que temos, a imprensa local e a oposição tomaram as dores dos funcionários e desataram a criticar os modos do sr. Brown. A lendária fleuma britânica tornou--se uma memória vaga.

E a fleuma caseira? Pelo menos no que toca às altas instâncias governamentais, é difícil responder. Se o eng. Sócrates tem fama de irritadiço com os serviçais, não parece ter o proveito. No caso das "escutas", o nosso primeiro-ministro admitiu a hipótese do uso abusivo do seu nome e mesmo assim acrescentou de imediato que os eventuais abusadores lhe merecem a maior estima. Face a tamanha doçura, ficamos pois sem saber de que modo reagiriam essas criaturas a uma cena de intimidação física a cargo do PM: como homens de facto, isto é, com intimidação redobrada, ou como homens modernos, dos que correm entre lágrimas a ligar à APAV? Eu aposto na segunda hipótese, porque nada nos sujeitos em causa indicia coluna vertebral e porque dispõem de desconto da PT nas chamadas. Ou dispunham, se não se tivessem demitido à conta da estima que o Chefe Maior lhes dedica e lhes merece.

Quinta-feira, 25 de Fevereiro
Madeira

Alberto João Jardim estava a pedi-las quando pediu que os media não divulgassem muito a desgraça na Madeira (por causa do turismo). Na época da Internet e das câmaras de vídeo omnipresentes, a pretensão mostra que o dr. Jardim não conhece bem o mundo em que vive.

Por razões distintas, eu também não conheço. Em vez de ridicularizar o comprovado esforço do dr. Jardim para conter a informação, o mundo em que vivo decidiu criticar a alegada falta de esforço do dr. Jardim para conter as enxurradas. A acreditar em inúmeras reportagens e comentários, toda a gente sabia de antemão que uma chuva desmesurada iria cair na Madeira e que as suas consequências seriam trágicas. Se lhes tivessem perguntado, os peritos até teriam dado o nome e a morada das prováveis vítimas.

Aparentemente, só o dr. Jardim não ligou. Segundo certo consenso, assaz repetido nos últimos dias, o dr. Jardim prefere o crescimento urbanístico da ilha ao bem-estar dos respectivos habitantes. Não vale a pena lembrar que esses habitantes reelegem infalivelmente o cruel dr. Jardim. Talvez valha a pena moderar a tendência para procurar nos homens os culpados perfeitos pelas catástrofes naturais, e o talento para atribuir instantaneamente a culpa se o homem à mão é um ódio antigo da "inteligência" indígena. A revista Visão foi a ponto de contrapor à alegada incúria madeirense o "exemplo a seguir" do Rio de Janeiro, se não me engano o exacto Rio de Janeiro onde as águas costumam matar com regularidade e dimensão ignoradas na Madeira actual (ainda que não na Madeira anterior ao famoso crescimento urbanístico). A comparação é tão absurda quanto invocar o encanto de Cabul para fazer inveja à Amadora. Mas na luta contra o dr. Jardim nenhum absurdo é suficiente, e nenhum luto demasiado pesado.

Sexta-feira, 26 de Fevereiro
Inês já não mora aqui

Enquanto se confirma que uma empresa pública pagou a Luís Figo para vir a Portugal apoiar o eng. Sócrates por um dia, um pedacinho do País debate o caso de Inês Medeiros, que o público em geral paga para vir a Portugal apoiar o eng. Sócrates todas as semanas.

Embora eleita deputada pelo círculo de Lisboa, a sra. Medeiros não está para habitar pocilgas e por isso vive em Paris, cidade a que regressa às sextas-feiras. Como nem em trânsito a sra. Medeiros tolera convívio excessivo com a ralé, as viagens decorrem em classe executiva. Infelizmente, na Assembleia da República alguns não compreendem essas necessidades básicas e, numa demonstração de ressentimento muito portuguesa, há quem proponha que a senhora financie as deslocações do próprio bolso. O PS, naturalmente, discorda, e José Lello sugeriu que retirar os privilégios à sra. Medeiros seria "pôr em causa a livre circulação dos cidadãos europeus".

Eu, confesso, ignorava que a ausência de bilhetes em "executiva" à custa do contribuinte desrespeitasse um dos princípios basilares da União. Porém, já que falam nisso, é verdade que até aqui sentia a minha capacidade circulatória um tanto condicionada e não sabia a razão. Agora sei, pelo que aproveito para apelar aos valores de Maastricht e exigir, não na qualidade de cidadão europeu, voos regulares e com tratamento VIP rumo a Florença, Praga, Londres e Edimburgo.

A sra. Medeiros apenas deseja a rota Lisboa-Paris. E é da maior importância que os portugueses a ajudem a realizar a sua pretensão por via de manifestações, petições e, se preciso for, donativos directos. Em primeiro lugar, porque não nos devemos arriscar a que a sra. Medeiros nos prive do seu extraordinário desempenho parlamentar, de resto evidente no sorriso irónico com que ela encara cada reunião da Comissão de Ética. Em segundo lugar, porque se o eng. Sócrates for impedido de angariar apoiantes no estrangeiro depressa começará a ter dificuldades em consegui-los cá dentro. Bem sei que, além do sr. Figo e da sra. Medeiros, os comentários da Internet estão repletos de louvores apaixonados do primeiro-ministro. Mas, justamente a julgar pelo grau da paixão, os seus autores também não vivem em Portugal: vivem na Lua ou no aparelho do PS, o que hoje em dia é quase o mesmo.

Sábado, 27 de Fevereiro
O infiltrado

A menos que tivesse participado no conluio para despachar Manuela Moura Guedes, é irrelevante a informação de que a dra. Ferreira Leite conheceu mais cedo ou mais tarde o negócio da PT/TVI, não é? Pedro Passos Coelho acha que não e surgiu logo a lamentar o papel (?) da senhora no processo. A menos que tivesse sido a principal responsável pela actual situação económica, é pertinente a comparação que a dra. Ferreira Leite fez entre Portugal e a Grécia, não é? Pedro Passos Coelho acha que não e surgiu logo a explicar que os países não são comparáveis.

Engraçado. O dr. Passos Coelho, que se diz do PSD e até concorre à respectiva presidência, é rápido como Usain Bolt a criticar a dra. Ferreira leite e omisso como um repolho a tecer qualquer reparo ao eng. Sócrates. Na cabeça da jovem esperança social-democrata, o grave não é o eng. Sócrates usar empresas públicas para manipular os media ou a inépcia própria para afundar a economia: gravíssimo é que a dra. Ferreira Leite o saiba ou diga.

Uma boutade célebre ensinava que os adversários se sentam nas bancadas dos restantes partidos e os inimigos na nossa. Temo que o dr. Passos Coelho tenha levado o ensinamento longe demais: para ele, os adversários e os inimigos estão todos na sua bancada. Ao PS, que por acaso é Governo, o dr. Passos Coelho apenas dedica simpatia. Não é à toa que, dos lados do PS, a simpatia é constantemente retribuída. Mas só à toa o PSD elegerá o simpático Pedro para líder: o Mudar do seu programático livrinho refere-se evidentemente à dra. Ferreira Leite e não ao eng. Sócrates, o qual, aliás, nem por uma vez é aí citado.

Depois de tentar controlar a informação, o que apesar de tudo causa algum alvoroço, o PS tenta subjugar a oposição, o que pelos vistos pode ser facílimo. A oposição, leia-se o PSD, o dirá.

Anedota de (um certo) português

Na entrevista a Sousa Tavares, o eng. Sócrates disse o que vem dizendo sempre que lhe apontam um microfone, ou seja, que é inocente e alvo de uma conspiração. O homem, que é dado a clichés, agarrou-se a um velhinho: o de que uma mentira muito repetida se transforma em verdade. Será? Uma sondagem da TSF e do Diário Económico, que mostra uma queda de 11 pontos na popularidade do primeiro-ministro em Fevereiro, sugere que uma mentira repetida pode transformar-se apenas em anedota, aquela que o eng. Sócrates contou na SIC pela enésima ocasião. Curiosamente, cada vez há mais gente a rir.

in "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
28/02/10

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