24/02/2010

PEDRO MARQUES LOPES

PEDRO MARQUES LOPES

Os deslumbrados

A táctica de arrumar toda a gente que não concorda connosco na trincheira do inimigo é mais velha que a Sé de Braga. Tem sempre os mesmos objectivos: condicionar a opinião ou fazer crer que quem pensa de forma diferente de nós é, no fundo, um agente dos outros. Na melhor das hipóteses, revela alguém que vê o mundo apenas a preto e branco, que divide o mundo entre bons e maus. Na pior, revela um manipulador de carácter duvidoso.

Felizmente, de tão utilizada, já ninguém a leva a sério. Apesar disso, há quem continue a tentar, a ver se pega. As últimas versões mais conhecidas são: quem diz que há liberdade de expressão é apoiante de Sócrates, quem não jura que há imensos mártires da opinião é socratista, quem não vê perseguições em cada esquina é um colaboracionista, quem não berra que o poder judicial está todo controlado pelo poder político é um pulha ao serviço do Governo, quem disser que o grande objectivo de mudar de Governo deve ser feito segundo as regras democráticas e que os fins não justificam os meios é um amigo do primeiro-ministro.

É, aparentemente, tão simples o mundo desta gente. Eles definem as regras e esperam que o resto do mundo jogue por elas. Dizer que o Governo é mau, que o primeiro- -ministro é mau e que é preciso outra governação é pouquinho. Dizer que o chefe do Executivo vive obcecado com tudo e mais alguma coisa que digam dele é indiferente. Referir que é incapaz de conviver com opiniões diferentes das dele é corriqueiro. Fazer notar que isto revela que não tem a segurança suficiente nas suas decisões é desprezível. Salientar que enquanto a actividade económica estiver de- pendente do poder político não há forma de evitar a promiscuidade entre empresas e Governo é secundário. Mostrar que uma das principais razões para que o Estado tenha um tamanho tão grande é sobretudo para que o partido no poder o possa ocupar com a sua clientela política e que enquanto assim for mil Ruis Pedros prosperarão é absolutamente irrelevante. Enfatizar que governar é, em grande parte, saber rodear-se de uma boa equipa e não de um bando de rapazes cuja única carta de recomendação é o cartão do partido não interessa rigorosamente nada.

O que conta é a definição que meia dúzia de iluminados fazem do que se deve apoiar ou criticar. É pela bitola deles que se deve apurar qual a crítica certa ou errada. Eles é que sabem qual é a estratégia correcta. Pior, quem não lê pela cartilha deles é um vendido, um safado que, com certeza, recebe uma qualquer avença choruda.

Há dentro desta gente uns indivíduos mais rebuscados. São aqueles que vêem em todo o lado tácticas complicadíssimas, manipulações com interesses escondidos.

Como não conseguem ver para além do seu próprio umbigo, acham sempre que quem não pensa da mesma forma que as suas iluminadas almas não está a exprimir-se baseado em convicções, mas seguindo uma estratégia e que em função desta vale tudo. Como poderia ser de outra forma se eles sabem a verdade e apenas eles e só eles são sérios e honestos?

Assim, temos uns cidadãos bacteriologicamente puros que se movem apenas pelas mais firmes convicções, portadores de valores à prova de bala, e uns tipos esquisitos de carácter gelatinoso que trocam valores por tácticas obscuras.

Estão tão cheios de certezas, tão deslumbrados, que se esquecem que estão a fazer exactamente a mesma coisa de que acusam o seu inimigo. Tentam impor um pensamento único, uma forma primária de ver os problemas, o clássico de quem não está connosco está contra nós - tão do gosto do actual primeiro-ministro.

Numa altura em que os militantes do maior partido da oposição se preparam para escolher o próximo primeiro-ministro, era bom que estes tentassem perceber quem está apenas interessado em fomentar teorias claustrofóbicas ou patetices do género - que resultaram, em última instância, na reeleição de José Sócrates - e quem está de facto interessado em resolver os reais problemas do País. Quem tem um programa e um rumo e quem tem apenas como bandeira ser do contra. Ser do contra servirá, eventualmente, para derrubar um governo, mas não chega, longe disso, para governar um país.

in "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"

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