19/02/2010

FRANCISCO MOITA FLORES


Impressão Digital

Testemunho

Escrevo há mais de vinte anos, na maioria das vezes sobre um território difícil, polémico, onde não existem verdades absolutas e que está em perpétua evolução: assuntos de segurança, violência, polícia e crimes. E sei que nenhum deles é ideologicamente neutro. Também sei como é politicamente rentável manipulá-los. São territórios que inscrevem o medo.

Ao longo destas décadas, jamais um director de qualquer das publicações com as quais tenho colaborado me pediu para calar este assunto, para evitar aquele outro. Pelo contrário. Recordo-me de um tempo em que a discussão sobre as prescrições de crimes do Fundo Social Europeu estava tão acesa e tão politicamente disputada que as posições foram fortes. Sabia que as minhas palavras atingiam o âmago do poder da altura, e por vezes duvidava da capacidade do jornal, na altura o ‘DN’, de suportar aquela guerra. Um dia telefonou--me o então director, Mário Bettencourt Resendes. Saudava a minha intervenção e assumia a sua solidariedade. Nunca mais deixei de o admirar profundamente pela coragem e pela independência jornalística.

Escrevo regularmente no ‘CM’ há vários anos. Por vezes com palavras rijas que julgo proporcionais ao assunto em debate. Sempre com a certeza de que não colhem unanimidades, mas sempre com a certeza de que o exercício de opinião ou é uma libertação da consciência ou então não é opinião livre e independente. Comecei neste jornal sendo director o João Marcelino, que sempre estimulou a minha liberdade sem a condicionar.

Agora, de há uns anos a esta parte, é o Octávio Ribeiro, amigo de velha data, homem de uma integridade impoluta que assumiu a liderança deste diário. Todos sabemos que os últimos anos têm sido complicados no que respeita à segurança e à justiça, e como escrever aquilo que se pensa conduz seguramente a desagrados. Umas vezes de uns, outras vezes de outros, e algumas situações são tão bizarras que precisam de palavras fortes. Em defesa da liberdade de expressão, dou o meu testemunho pessoal sobre a honradez destes homens e da vida democrática no nosso país.

Pode haver uma ou outra distorção? Eventualmente haverá. Como em qualquer país. Mas é indigno e insultuoso afirmar-se no Parlamento Europeu que Portugal tem a sua liberdade amordaçada. Se assim fosse, não saberíamos aquilo que sabemos. Só pode produzir tal obscenidade quem nunca foi censurado e não sabe o que é liberdade de expressão. O Portugal democrático não merecia isto.

Francisco Moita Flores,
Professor Universitário

in "CORREIO DA MANHÃ" 14/02/10

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