21/08/2009

PAULO FERREIRA


Realidade e cenários

Realidade e cenários

A entrevista concedida por Ferro Rodrigues, no passado fim-de-senama, ao "Expresso" eriçou o histórico Manuel Alegre. Melhor: deve ter eriçado muito mais gente, mas só o deputado-poeta se deu ao trabalho de traduzir em palavras o pensamento dos "camaradas". Em traço grosso, Ferro defendeu que, no caso de o seu partido vencer as eleições legislativas sem maioria absoluta (cenário bastante provável), deve procurar fazer uma coligação com o PCP ou com o Bloco de Esquerda, virando-se para o PSD apenas e só se as duas primeiras tentativas sairem frustradas. Alegre respondeu-lhe com o óbvio: como comunistas e bloquistas já disseram não estar interessados no "negócio", o ex-secretário--geral do PS está a propor a reedição do bloco central.

Como se sabe, Ferro Rodrigues não está sozinho. Figuras gradas da democracia como Jorge Sampaio, Mário Soares e Cavaco Silva já abordaram o tema. A própria Manuela Ferreira Leite, que começou por dizer que só passando ao estado de "doida" (sic) aceitaria trabalhar com Sócrates no Governo, foi amenizando a linguagem, ao ponto de nos confundir. Quer ou não quer? Aceita ou não aceita?

O mais provável é que não queira e não aceite. Por uma simples e prosaica razão: Sócrates e Ferreira Leite odeiam-se cordialmente. O que os separa, na atitude, no pensamento e na forma de agir é muito mais forte do que aquilo que eventualmente os pudesse unir. Eles sabem disso. Eles sabem que um acordo PS/PSD duraria pouco, muito pouco tempo. Eles sabem que as consequências para o país de uma rápida crise pós-eleições seria devastadora. Nem um nem outro estão disponíveis para carregar esse ónus durante o resto das suas vidas.

Deste cenário só há duas saídas. Ou o PS se coliga com o PCP e com o BE, ou Sócrates e Ferreira Leite cedem o passo a quem se consiga entender. A primeira possibilidade é um susto: o país não pode dar-se ao luxo de ter no Governo quem lute ainda hoje pela nacionalização da Banca e de empresas consideradas estratégicas, como a Galp, a EDP ou a PT. Acresce que, no caso do Bloco, o partido deixaria de ter graça e perderia a hipótese de usar diariamente a demagogia. Ou seja: daria um passo em direcção ao abismo.

Resta a segunda possibilidade. O país chega, depois das legislativas, a um impasse que obriga Cavaco Silva a intervir. Sócrates e Ferreira Leite não cedem. PS e PSD procuram novos líderes. É neste quadro que devem ser lidas intervenções como as de Ferro Rodrigues ou do seu apaniguado Paulo Pedroso. É neste quadro que devem ser lidas intervenções e posicionamentos de "barrosistas" como Nuno Morais Sarmento. Paulo Portas assiste a tudo sereno. À espera que lhe caia um naco de poder no colo.

in "jornal de notícias"

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