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Bem-vindos a bordo
Segundo a Comissão Europeia, o impacto da covid-19 nas contas públicas dos Estados-membros da área do euro ascende a 1.115 mil milhões de euros, sendo 830 mil milhões de euros relativos a 2020, correspondendo a um agravamento do défice da Zona Euro de 7,5 pontos percentuais do PIB.
O novo coronavírus entrou de rompante nas nossas vidas e ameaça ter
um efeito prolongado. A Europa, designadamente a área do euro, foi
particularmente fustigada pela pandemia, obrigando as autoridades
europeias a uma resposta rápida e consequente. Nos últimos meses,
assistiu-se a sucessivos anúncios de medidas destinadas a minimizar as
consequências económicas da crise sanitária. Contrariamente à crise das
dívidas soberanas, a atual gestão da crise pelas instituições europeias
tem sido rápida e multifacetada, demonstrando que se aprendeu com os
erros do passado e se reconhece a transversalidade das suas
consequências. Estas são, efetivamente, de monta, explicando a
necessidade de quebrar velhos tabus e avançar no reforço da
solidariedade europeia.
Por um
lado, com o seu novo programa de 750 mil milhões de euros, o BCE procede
a compras de ativos atento apenas à chave de capital, aliviando regras
de risco de crédito e limites de exposição autoimpostos na execução de
programas precedentes. Por outro, o Mecanismo Europeu de Estabilidade
(MEE ou ESM na sigla inglesa), por decisão dos Estados-membros, põe à
disposição dos países uma linha de crédito cautelar com condicionalidade
minimal, num esforço de mitigação do estigma associado à solicitação
destas linhas, criadas no pico da crise financeira anterior. Entre o
fundo de garantias do BEI que potencializa empréstimos a empresas,
sobretudo PME, até 200 mil milhões de euros, a linha cautelar do ESM de
240 mil milhões de euros e o SURE – instrumento temporário de apoio à
mitigação dos riscos de desemprego numa emergência – no valor de 100 mil
milhões de euros, disponibilizam-se apoios na ordem de 540 mil milhões
de euros. Na última semana, a chanceler alemã e o Presidente francês
apresentaram uma proposta para o formato do Fundo de Recuperação (a
criar), situando o valor em 500 mil milhões de euros, abrindo a
possibilidade de atribuição de subsídios e não somente empréstimos,
orientação dos fundos para regiões e setores e não apenas países, sendo
financiado por dívida a emitir pela Comissão Europeia, no que tem sido
entendido como uma forma ligeira de mutualização de dívida.
Segundo a Comissão
Europeia, o impacto da covid-19 nas contas públicas dos Estados-membros
da área do euro ascende a 1.115 mil milhões de euros, sendo 830 mil
milhões de euros relativos a 2020, correspondendo a um agravamento do
défice da Zona Euro de 7,5 pontos percentuais do PIB. Igualmente
interessante é refletir sobre o retrato da elegibilidade dos países para
a linha cautelar do ESM. As 19 economias do euro são consideradas
elegíveis, na medida em que cumprem os requisitos de sustentabilidade da
dívida pública, da componente externa e estabilidade do sistema
financeiro. Ainda assim, assinala-se a existência de riscos. Sinaliza-se
que Chipre, Grécia, Portugal, Irlanda e Espanha apresentam posições
líquidas de investimento internacional (um indicador do endividamento
externo) elevadas. No respeitante à sustentabilidade da dívida,
constata-se que apesar de alguns progressos individuais, o nível global
do endividamento da AE é considerável e aumenta o número de países com
dívida pública superior a 100% do PIB em 2020. Em termos de saúde do
sistema financeiro, os bancos estão mais capitalizados que no passado,
mas Espanha continua a apresentar os rácios de capital mais baixos,
seguida de Portugal, Áustria e Itália.
Nos cerca de dez
anos que medeiam as duas crises, os desequilíbrios subjacentes à crise
da década anterior foram corrigidos – os défices externos e das contas
públicas foram revertidos, sobretudo os primeiros. Espanha e Itália (que
não tem dívida externa relevante) registam excedentes externos
superiores a 2% do PIB enquanto em Portugal e Grécia ascendem a 0,8%.
Contudo, após dez anos de ajustamento, se a correção do desequilíbrio
externo (mais importante – tanto mais que o baixo endividamento externo é
um fator fulcral para a avaliação favorável da capacidade creditícia)
está aparentemente consolidada (resta perceber qual o peso do turismo
nesta tendência e o impacto da pandemia neste setor), a trajetória da
dívida pública arrisca-se a retroceder vários anos e, em termos de
países, os elos mais fracos ou suspeitos do costume persistem.
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
21/05/20
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