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O ultimato ao Reino Unido
A capa do Economist, considerando que uma saída sem acordo seria semelhante a um comboio a cair de uma falésia, é o exemplo da enorme pressão que o establishment britânico faz a favor de um acordo que diz ser mau, mas sempre melhor do que não haver acordo
Uma União Europeia claramente em crise e decadência resolveu
empertigar-se com os ingleses e apresentar -lhes um acordo que sabe que a
senhora May, primeira-ministra inglesa, tem muito poucas oportunidades
de conseguir que passe no Parlamento. O Reino Unido fica assim condenado
ou a aceitar muitas regras que os defensores do Brexit consideram
inaceitáveis e uma violação do sentido da votação popular, ou ter uma
saída dura que sabe ser muito temida principalmente pelos interesses
empresariais ingleses.
A capa do Economist,
considerando que uma saída sem acordo seria semelhante a um comboio a
cair de uma falésia, é o exemplo da enorme pressão que o establishment
britânico faz a favor de um acordo que diz ser mau, mas sempre melhor
do que não haver acordo. Como quem diz, estão mal seja qual for o
resultado, ninguém os mandou votar Brexit.
A "vacina"
De todos os países da União, o Reino Unido era aquele que menos
obrigações tinha em relação à União, com muitas políticas próprias. E
se, mesmo assim, se considera que sair é uma "catástrofe", imagine-se o
que aconteceria com qualquer outro país. Como se viu com a Grécia e se
vai ver com a Itália, a União Europeia tornou-se um bunker onde se pode
entrar, mas de onde é muito difícil sair. Os "europeístas" acham que tem
de ser assim para haver uma "vacina", mas esquecem-se que esta doença
está dentro e não fora. Fora também está, mas é de outra natureza.
Take back control
Com muito escândalo dos que
me ouvem, eu não acho que haja qualquer problema em os ingleses quererem
manter o "controlo" sobre o seu país, e considerarem inaceitável que o
seu Parlamento deixe de ter os poderes integrais de representação dos
votos dos cidadãos do Reino Unido.
Pelos vistos isto agora é um
crime, num meio europeu que cada vez mais desvaloriza o valor da
democracia e da sua ligação com a soberania. É que o erro iluminista –
para lhe dar uma classificação apesar de tudo valorativa – é pensar que
se pode na Europa e com as nações europeias restringir a soberania
nacional a favor de uma entidade supranacional que ninguém reconhece
como tendo mais legitimidade democrática do que os parlamentos nacionais
numa democracia.
Quem sabia isto muito bem eram os "fundadores"
da Europa, que veriam como uma enorme imprudência este acelerar do
upgrade político da Europa, sem ser acompanhado pela vontade dos povos.
Por muito federalistas que alguns fossem, também sabiam muita história.
A
questão não está em cumprir acordos internacionais que sempre
significam limitações a determinados aspectos da soberania, está em
aceitar-se que um país possa ser governado de fora em aspectos cruciais
como orçamentos, economia, política interna e externa, por uma
burocracia internacional, que responde aos seus "donos" que são os
outros países que "mandam" nas instituições europeias, antes a França e
Alemanha, hoje quase só a Alemanha. E isso acabaria sempre por dar para o
torto, por boas ou más razões. E neste contexto, não acho que as razões
do Brexit sejam as piores.
As estrelas Michelin
Eu
acho muito bem que os restaurantes portugueses tenham cada vez mais
estrelas Michelin e dou os parabéns aos seus cozinheiros. Mas não conto
ir comer a nenhum dos seus restaurantes porque aquilo não é comida. Pode
ser "arte" e "cultura" mas comida não é. Pode excitar-me o palato com
sensações únicas e dar-me uma "experiência" rara de sabores, mas, quando
eu como, não quero ser maçado com uma explicação técnica e em linguagem
cifrada do que vou comer, com muitos "sucos" e "espumas", nem
"braseado", nem "confitado" e muito menos "resumido", palavra muito
verdadeira visto que de um modo geral basta uma garfada para acabar com o
estético montinho de qualquer coisa muito boa e cara deitada "em sua
cama" de um prato arranjado como um Pollock.
Os excêntricos ingleses
Ver uma manifestação
inglesa é um espectáculo. O número de excêntricos que vão a todas é
muito superior a qualquer outro caso europeu. De um modo geral não são
gente nova, vestem roupa berrante, cartolas, largos arranjos florais à
lapela e as palavras de ordem das manifestações escritas em qualquer
parte do corpo. Um traz uma bicicleta cheia de folhas entrelaçadas como
uma coroa de imperador, outro vem vestido de Chaplin com uma foca de
cartão debaixo do braço, outro tem um balão em formato de dinossauro,
por aí adiante.
Mas uma observação mais atenta mostra que há uma
continuidade entre os excêntricos e os normais, e que, em bom rigor,
aquelas famílias com criancinhas, aquele par homossexual, aquela senhora
cristã, com a Bíblia a tiracolo e que sabe os hinos todos, aquele velho
sindicalista que traz uma bandeira de um grupo de futebol contra o
apartheid, fazem parte daquelas "peculiaridades" dos ingleses que
nasceram de muitos anos de democracia. Talvez isso também tenha a ver
com o Brexit.
IN "SÁBADO"
02/12/12
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