Cansados de blogs bem comportados feitos por gente simples, amante da natureza e blá,blá,blá, decidimos parir este blog do non sense.Excluíremos sempre a grosseria e a calúnia, o calão a preceito, o picante serão ingredientes da criatividade. O resto... é um regalo
24/11/2018
INÊS PECEGUINA
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IN "OBSERVADOR"
23/11/18
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(Uma) educação “zero waste”
Educar para a sustentabilidade da pessoa, da criança, é não
deixar que os seus sonhos se transformem num mar de lixo. Essa missão
dificilmente se consegue na escola moderna. Uns com (contra) os outros
Conheci por estes dias uma menina já no final da infância, que se
demora legalmente até aos 18 anos, mas que em cada um, é conforme. Às
vezes extinta logo na primeira. Outras nunca. Em permanência. A fazer
dos adultos lugares mais felizes e encatatórios.
A menina tinha de
diferente das outras, entre muitas outras coisas, uma condição que a
todos perplexa, porque neste nosso país, é ainda nova. Uma espécie de
rebento. Verdinho-fresquinho-vulnerável e ao mesmo tempo super-alimento.
Esta
menina-fim-da-infância tinha isso tudo. O que a distingue de todas as
outras, nesta sua peculiaridade, é o facto de nunca ter frequentado a
escola. Nos seus desígnios tradicionais-modernos. (Atenção que
entretanto já estamos na era pós-moderna).
A menina é portuguesa
(embora a perfeição do seu inglês possa fazer duvidar), produto
nacional, do interior, do Alentejo. De uma família aparentemente normal.
Mas que o não poderá obviamente ser. Porque senão a
menina-fim-da-infância não teria esta história para contar. Mas sim a de
todos nós. Que foi a de nos tornarmos pessoas passando por esse lugar
transbordante e impregnante, que é a escola. Os pais disseram que ela
não era uma menina típica de escola. E não era mesmo. Que tinha
interesses um pouco fora do comum. Ou pelo menos o fora do comum fora da
sua casa. Já que me parece que na sua casa, mãe, pai, avós, fossem
pessoas normais, mas não necessariamente comuns.
O que os
distingue, entre outras coisas, foi o facto de perante esta
circunstância, terem decidido fazer qualquer coisa. E fizeram.
Descobriram o ensino doméstico muitos anos antes de se tornar novidade,
notícia, fonte de oscilações temperamentais entre o amor apaixonado e o
ódio visceral (que é, porém, outra forma de amor). A menina cresceu
assim. Tendo por base de aprendizagem a sua casa. O seu centro. O
seu(céu) núcleo afectivo. Afinal, há muito que por aí se diz que é da
relação. Da relação e do significado que nasce o conhecimento. Que se
enraiza e expande a aprendizagem. Uma relação pedagógica, é uma relação
de afecto.
A menina-fim-da-infância é tímida. Como qualquer
menina-fim-da-infância da mesma idade e que se foi habituando à
estranheza da sua normalidade. Apesar disso, não se atrapalha
na língua. As palavras desaguam soltas, leves, ora em português ora em
inglês. Nós todos em silêncio. E ela no centro. No epicentro. A contar
da sua singularidade.
O mais deslumbrante, entre outras coisas, foi a constatação da naturalidade com que tudo se desenrola. Mas e os amigos, os pares, a socialização? A
menina sorri. Um sorriso de quem já ouviu sequências numéricas
incontáveis esta pergunta. Revela. E rimo-nos todos um pouco. Pelo
óbvio. Na verdade, nunca gostei assim tanto de estar com muitas pessoas. Actually, I was always ok having just a few friends to be with. E nem precisavam de ser da mesma idade. Desde que fossem pessoas. E a deixassem ser assim.
Há
pessoas que são assim. Não precisam assim de tantos amigos. E isso não é
problema em si. É problema quando a pessoa se sente triste. Quando
deseja essa proximidade. Quando sente que não faz parte, que não
encaixa. Que é estranha. E que a estranheza se constitui como distúrbio.
A menina-fim-da-infância está bem assim.
E os horários? Como é que organizas(vas) o teu dia, sem as disciplinas, as aulas, os tempos, os professores?
Lançam-lhe. E ela recebe. Outro sorriso. Vê-se que há um certo
divertimento infantil em explicar aos adultos que não a viram crescer na
sua singularidade. Um dia a pensar sobre isso, reflecte, percebi que produzia muito mais quando estava em férias. E então decidi, olha, vou estar sempre de férias.
Nota-se
que é uma menina-fim-da-infância habituada a pensar. A pensar-se. A
observar os seus movimentos. Que não se atrapalha perante a evidência e
que na sua presença, de evidências, toma decisões. Experimenta. Testa. Agora, acrescenta, decidi que quero voltar a ter um horário. Vamos ver como corre.
Ah.
Que simplicidade. Regressamos ao mundo da socialização. Já sabemos que
muitas das aprendizagens da menina, acontecem através do computador. Que
assiste, ainda no seu território de menina-fim-da-infância, a aulas de
matemática do MIT, aquele lugar mágico onde vão parar pessoas sem medo
de pensar e maioritariamente indianas. A menina, esta, não é da Índia.
Alguém lhe pergunta sobre os perigos da internet. O ciberbyllying. E ela responde. Não se atrapalha. Olhos-nos-olhos. Nós a sentirmo-nos, cada um de nós, mais criança do que ela. Então, explica,
estou atenta. Consigo sentir que às vezes não devo continuar por ali.
Não é sempre fácil de perceber. Mas isso também acontece com as pessoas
reais. Que às vezes parecem amigas. Que às vezes confiamos. E afinal não
eram de confiança. A prática também ajuda. Claro! Aguça o sentir. O
crescimento. A experiência cumulativa. Não é muito diferente. A menina
tem razão. Concordamos num aceno colectivo, como que hipnotizados.
Eu,
dentro do meu núcleo a tentar sentir como é que se sente uma pessoa a
quem os adultos cuidadores permitiram ir alimentando, sem muitos
obstáculos, os seus interesses. A acelerar centrípeta em direcção à
minha infância. À minha experiência enquanto criança-aluna. As coisas
que eu queria tanto fazer mas que não podia. Porque na escola moderna o
tempo já estava todo organizado e depois não sobrava tempo nenhum. Eu
queria escrever. Mas era hora de físico-química. Queria escrever mais.
Mas era hora de jogar corfbol (a sério?! Ao que sei continuam a
insistir nisto). Queria fazer experiência e descobrir os elementos
químicos, mas era hora de ir dissecar poemas, aniquilando assim
completamente a intenção do poeta. Queria ouvir histórias, do mundo, do
pensamento, mas era muito cedo para ter filosofia. E queria escrever.
Mas não, agora não podia ser. Temas livres. Mas não podia. Os temas
deixaram de ser livres e passou a ser “fazer um resumo” (que não é menos
importante de saber fazer, mas que é outra coisa, completamente
diferente). O tempo para a escrita era concentrado nas ferias do verão.
Encomendas de textos copiados a fazer recuar os tentáculos da
imaginação.
Ora bolas. Nesse tempo de fronteiras ginastica
olímpica. E então preciso rapidamente de resolver o assunto, uma
inflamação intelectual sem precedentes. Que a menina-fim-da-infância NÃO
PODE SER NORMAL. Tem de ser super. Sobre. Above and beyond. Agora deixa ver como se sai!
Menina-fim-da-infância (digo-lhe eu) era bom, também, que as famílias que pensam nestas modalidades a vissem acontecer em pessoas normais, em vez de extraordinárias (ou será que se fez assim extraordinária como produto desta experiência, em particular?)
A
menina-fim-da-infância não se atrapalha. Esclarece que é óbvio que há
diferenças qualitativas e quantitativas de inteligência. De vários tipos
de inteligência. Que há uma hierarquia de valores do conhecimento. O
MIT está lá no topo, bem sabido. Se ela fosse uma exímia trapezista, não
causava o arrepio que causa ouvi-la na sua condição de
menina-fim-da-infância, que se aborrece com os programas das faculdades
dos primeiros anos. Que sabe interligar como se fosse criação sua,
matemática e filosofia. A menina não se atrapalha. E depois diz também,
ou ainda, ou sobretudo, que na observação panorâmica da sua
janela-quase-fim-da-infância, emerge um padrão. Que quase todas as suas
curiosidades foram levadas a sério. Que os seus desejos intelectuais, os
seus projectos de criança na infância plena, sem resquício nenhum de
outro tempo existencial, foram apoiados, scaffolded. A família,
nesta sua extraordinária decisão de escolher que esta menina não
estaria bem no contexto da escola moderna (referir novamente que estamos
já na era pós-moderna), foi assim irrigando os pequenos rebentos. Sem
lhe fazer métricas e juízos de valor. Sabemos-lhe da matemática e da
filosofia. Mas não sabemos dos outros todos. Que foram incentivados,
permitidos. Deixados acontecer. Para depois, talvez, seguir viagem. Sem
aquela janela permanentemente em corrente-de-ar, que é a dos sonhos que
foram ficando para trás. O sonhos desperdiçados. Mais do que tudo o que
agora é, tudo o que vai ainda ser, é esse detalhe que para mim, talvez
para ela também, mais lhe transforma a menina-fim-da-infância.
Regresso
a casa em silêncio. Hoje de manhã a televisão do café mostrava um mar
de lixo. De plástico. Os miúdos aos gritos. Impressionados. Educar para a
sustentabilidade não é só substituir o plástico por frascos de vidro na
despensa. Não é só acabar com as palhinhas. As fraldas descartáveis. O
papel para assoar o ranho. Educar para a sustentabilidade, da pessoa, da
criança, é não deixar que os seus sonhos se transformem num mar de
lixo. Inútil. Uma janela em permanente corrente de ar. Com o que poderia
ter sido. Essa missão dificilmente se consegue na escola moderna. É
impossível numa ideia constante de comparação. Uns com (contra) os
outros. Que exista diversidade. Nas várias possibilidades. De certeza
que nem todas as meninas-fim-de infância que cresceram fora da escola
são assim pessoas tão interessantes. Mas esta é. E devíamos todos ser
capazes de ir olhando para as nossas crianças, ficando um pouco para
trás. Mas sem empurrar. Sem apressar. Sem diminuir e diferenciar as sua
obsessões em úteis, se forem por matérias clássicas e de boas famílias, ou inúteis,
se forem por outras menos delicadas, por assim dizer. Devíamos ser
capazes de arriscar. De acreditar que não é preciso passar-se por uma
carrada de trabalhos, de limites, de negações, de dificuldades, para ver
chegar por fim um belíssimo nascer do sol. Que do cuidado, da atenção,
da paciência, da valorização, da conversa franca, honesta, do respeito,
do não necessário, porque há nãos que o são, é assim, é muito mais provável fazer nascer pessoas zero–waste. Tanto em plástico. Como em sonhos.
*Investigadora
no ISCTE, Centro de Investigação e Intervenção Social; Doutorada em
Psicologia do Desenvolvimento; Vice-presidente da Associação Movimento
Educação Livre (MEL), mãe de três espécimes ainda em infância absoluta.
IN "OBSERVADOR"
23/11/18
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“Não é pelo mérito”
“Influência da sociedade civil”
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HOJE NO
"O JORNAL ECONÓMICO"
Desigualdade de género.
Em 44 anos de democracia,
1733 governantes homens
e apenas 167 mulheres
A nova Lei da Paridade vai aumentar a quota mínima de representação de género nas listas de candidatos às eleições, mas não abrange os governantes.
A proposta de lei do Governo que altera a Lei da Paridade (em vigor
desde 2006) foi aprovada no Parlamento em abril de 2018, mas permanece
em discussão na especialidade, na Comissão de Assuntos Constitucionais,
Direitos, Liberdades e Garantias. As principais alterações consistem no
aumento da quota mínima (de 33,3% para 40%) de representação de cada um
dos sexos nas listas de candidatos às eleições (legislativas, europeias,
autárquicas), na obrigatoriedade de que nas duas primeiras posições das
listas sejam colocados candidatos de sexo diferente (aliás, as listas
passarão a ser ordenadas, alternadamente, por um homem e uma mulher, ou
vice-versa, na sua totalidade) e na aplicação da mesma quota mínima aos
cargos dirigentes da administração pública.
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No entanto, a Lei da Paridade vai continuar a não ser
aplicada na composição dos governos. Ou seja, continuará a ser possível
formar governos com acentuado desequilíbrio de género, ou mesmo sem
representação de um dos sexos, como o II Governo Constitucional (1978),
por exemplo, liderado por Mário Soares e constituído por 55 homens e
zero mulheres. Em 44 anos de democracia, seis governos provisórios e 21
governos constitucionais, exerceram funções 1.900 governantes
(primeiros-ministros, ministros, secretários e subsecretários de Estado)
no total, entre os quais se contam 1.733 homens (91,2%) e 167 mulheres
(8,8%). Entre 1974 e 2002, as mulheres nunca conseguiram superar a
barreira de 10% de representação nos sucessivos governos de Portugal.
Nos seis governos provisórios ficaram abaixo de 2% e nos quatro
primeiros governos constitucionais não chegaram aos 5% de representação.
Liderado
por António Costa, o atual Governo é o mais paritário de sempre: desde
que tomou posse, em 2015, já exerceram funções 57 homens (65,5%) e 30
mulheres (34,5%) no total. Ainda assim, não cumpriria a quota mínima de
40% estipulada na nova Lei da Paridade. O XVIII Governo Constitucional
(2009-2011), chefiado por José Sócrates, foi o segundo mais paritário:
44 homens (81,5%) e 10 mulheres (18,5%). Segue-se o XV Governo
Constitucional (2002-2004), de José Manuel Durão Barroso, com 60 homens
(82,2%) e 13 mulheres (17,8%) no total. Desde a viragem para o século
XXI que o número de mulheres nos governos portugueses tem vindo a
aumentar, lentamente, até ao ponto mais alto de 34,5% no Governo de
Costa. Essa mudança está consolidada e vai ser exponenciada nos próximos
anos, ou a maior paridade (ainda distante do equilíbrio 50-50, importa
sublinhar) deste Governo é apenas uma exceção circunstancial?
“Não é pelo mérito”
“Na nossa democracia persiste claramente uma sobre-representação
masculina nos cargos de tomada de decisão política. Os nossos governos
não têm sido representativos da maioria da população portuguesa, as
mulheres, 52% da população”, sublinha Alexandra Silva, presidente da
Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM). “O ritmo do
aumento de mulheres nos governos tem sido extremamente lento. A
manterem-se as mesmas condições e tendência, seriam necessários mais 23
anos para que o Governo de Portugal alcançasse a igualdade 50-50 na
participação e representação de mulheres e de homens”.
“O poder –
político, económico, cultural, social, etc. – é uma esfera onde os
homens ainda predominam em termos quantitativos. É uma esfera onde as
qualificações são substituídas pela rede pessoal de conhecidos e pelas
amizades. Se assim não fosse, as mulheres estariam representadas no
poder, uma vez que 20% das mulheres têm qualificações de nível superior
face a 14% dos homens. Não é, pois, pelo mérito que os homens se
encontram no poder”, argumenta Silva.
Questionada sobre se a Lei
da Paridade não deveria aplicar-se aos membros dos governos, Silva diz
que “a nomeação de homens e de mulheres para cargos governativos
acontece frequentemente entre quem foi eleito para o Parlamento. Assim,
aumentando a participação das mulheres nas listas e com impacto direto
na representação parlamentar, o aumento do número de mulheres nos
governos será uma consequência lógica”.
Na perspetiva de Maria
Helena Santos, investigadora do CIS-IUL, especializada em estudos de
género e ação positiva, “é inegável que se tem verificado uma evolução
positiva nas duas últimas décadas, relativamente à igualdade de género
na política portuguesa. Mas, como saberá, não se trata de uma mudança
natural, ou seja, esta realidade não tem vindo a evoluir de forma
‘natural’ ao longo do tempo. É o resultado de uma medida que foi
imposta, digamos assim. A crescente relevância dada ao problema das
desigualdades de género nas agendas políticas internacionais provocou
uma espécie de ‘efeito de contágio’ ao nível nacional e penso que muita
da evolução que se tem verificado no nosso país se deve à implementação
de medidas em diversos contextos”.
“Na política, não teria havido
uma evolução tão positiva se a Lei da Paridade não tivesse sido
promulgada, em 2006, e se o PS não tivesse implementado as quotas no
interior do partido”, enaltece Helena Santos. “Já em 1998/99, embora as
quotas não tenham sido aprovadas, creio que todo o debate público gerado
na altura serviu para aumentar a consciência sobre as desigualdades de
género existentes, nomeadamente entre os políticos que, nessa altura,
perceberam que a sociedade estava a mudar e que também era preciso
corresponder ao eleitorado. Mas a verdade é que só se têm verificado
melhorias nos casos em que a Lei da Paridade se aplica. E não é o caso
dos ministérios, é na Assembleia da República, no Parlamento Europeu e
nas autarquias locais. O que significa que o ‘espírito da lei’ ainda não
foi verdadeiramente interiorizado pela elite política”. Como tal,
defende que “está na hora de se começar a pensar em aplicar uma medida
também aos membros do Governo. Sendo a política o motor da sociedade,
como é, muitas vezes, defendido, julgo que deve servir de exemplo”.
“Influência da sociedade civil”
Até ao ano de 2002, nenhum Governo português ultrapassou a barreira
de 10% de representação de mulheres na sua composição. Pouco tempo
depois, em 2006, foi aprovada a Lei da Paridade, estabelecendo a
representação mínima de 33,3% de cada um dos sexos nas listas de
candidatos às eleições. Foi neste período temporal que se começou a
corrigir efetivamente o desequilíbrio de género nos cargos de
representação política. O que motivou ou possibilitou essa mudança
naquele período? “A Lei da Paridade que está atualmente em vigor tem
tido um impacto moderado na participação de mulheres em órgãos
governativos. Na prática, tem-se assistido a um aumento moderado da
participação de mulheres no Parlamento. Entre 2005 e 2015, o aumento foi
de cerca de 11,7 pontos percentuais”, indica Silva.
“O aumento da
participação das mulheres no poder político em Portugal deve-se em boa
medida à Lei da Paridade. Esta lei colhe inspiração na Recomendação
(2003) do Conselho da Europa sobre a participação equilibrada de
mulheres e de homens na tomada de decisão política e pública. Mas o
aumento deve-se também à influência da sociedade civil e das mulheres.
Cada vez mais há pressão política por parte de plataformas, de
associações e de movimentos sociais. Manifestações, marchas, cartas
abertas, petições, etc., têm também pressionado o poder político a
alterar-se”, destaca.
“São vários os fatores que têm contribuído
para que cada vez mais existam mulheres em cargos de tomada de decisão
política. Importa, todavia, persistir num aumento significativo que
coloque a representação das mulheres em igualdade com a dos homens”,
defende. “E para isso é fundamental que as mulheres tomem a palavra e
exijam alterações concretas às estruturas de tomada de decisão”.
“Maior consciencialização”
Os seis governos provisórios foram constituídos por 366 homens e sete mulheres no total. No II Governo Constitucional, com um total de 55 membros, não houve uma única mulher. O que é que mudou desde então, até ao atual Governo com 34,5% de mulheres na sua composição, o mais paritário de sempre? Será possível voltar a ter um Governo exclusivamente masculino em Portugal?
Os seis governos provisórios foram constituídos por 366 homens e sete mulheres no total. No II Governo Constitucional, com um total de 55 membros, não houve uma única mulher. O que é que mudou desde então, até ao atual Governo com 34,5% de mulheres na sua composição, o mais paritário de sempre? Será possível voltar a ter um Governo exclusivamente masculino em Portugal?
“É inegável que houve mudanças
desde essa altura, em particular quando falamos de números. É inegável
que, na política portuguesa, o equilíbrio de género está muito mais
próximo de ser atingido. Contudo, em termos simbólicos, diria que a
igualdade de género está longe de ocorrer”, responde a investigadora
Helena Santos.
“Trata-se de uma questão de género”, prossegue.
“Recordo que, até ao século XX, os direitos das mulheres portuguesas
eram limitados, ao nível dos direitos civis, sociais e políticos, quer
como eleitoras, quer como eleitas. E só o 25 de abril de 1974 e a
implementação da democracia vieram eliminar as desigualdades formais, ou
seja, na lei. Uma vez instituídas na lei, poder-se-ia esperar que a
discriminação face às mulheres estaria ultrapassada, mas não, como
mostra a realidade após 44 anos de democracia. O mundo da política é
historicamente masculino, com tudo o que isso implica. Apesar de,
atualmente, já não existirem as barreiras formais na lei, persistem
barreiras de outro tipo, muitas vezes difíceis de detetar, invisíveis,
que continuam a dificultar a entrada e permanência das mulheres na
política. Impedindo-as, sobretudo, de chegar aos lugares de liderança e
de poder, como é o caso”.
E conclui: “Nesta fase, em que há uma
maior consciencialização das desigualdades de género existentes por
parte dos políticos, mas também por parte dos eleitores, não me parece
que haja coragem da parte de algum primeiro-ministro ou
primeira-ministra para constituir um Governo exclusivamente masculino em
Portugal no século XXI”.
“Democracia mais plena”
Quais são os maiores obstáculos à participação das mulheres na
política, ao exercício de cargos políticos? Além da Lei da Paridade, que
outras medidas poderiam ser implementadas em Portugal para aumentar o
número de mulheres na atividade política? “São vários os obstáculos que
condicionam e limitam a plena participação das mulheres na política. As
estruturas de poder político, nomeadamente os partidos políticos, são
espaços onde os homens estão muito presentes desde há muito tempo. Nesse
sentido, a estrutura organizativa dos próprios partidos é resistente às
mudanças necessárias ao aumento da participação das mulheres”, responde
a presidente da PpDM.
“O Lobby Europeu das Mulheres, no qual a
PpDM representa Portugal, lançou em junho a campanha ‘Europa 50-50:
Mulheres para a Europa /A Europa para as Mulheres’. Esta campanha visa
influenciar as eleições para o Parlamento Europeu e as eleições
legislativas em Portugal, agendadas para 2019.
Identifica cinco fatores
de sub-representação das mulheres na política: confiança (as mulheres,
por um conjunto de razões bastante racionais, têm mais dúvidas em
candidatarem-se); seleção de candidatos (quando as mulheres decidem
concorrer, é-lhes frequentemente difícil ficarem num lugar elegível);
cultura (a política ainda é um mundo muito masculino, existe sexismo e
as ameaças externas, como são entendidas as mulheres, frequentemente não
são bem-vindas); dinheiro (quando as mulheres concorrem, frequentemente
as suas campanhas recebem menos dinheiro do que as dos homens);
cuidados a pessoas em situação de dependência (as mulheres despendem
mais do dobro do tempo com os cuidados às crianças e a outras pessoas em
situação de dependência do que os homens)”, destaca Silva.
“O que
tem sido feito e será reforçado com a campanha em curso? Apoiar a
participação igual das mulheres e dos homens na política e na tomada
decisão. Reforçar a capacidade da sociedade civil e dos movimentos de
mulheres para fazerem lobbying com eficácia para a paridade na tomada de
decisão. Inspirar, capacitar e informar as mulheres que vão concorrer”,
acrescenta.
“Certamente que há ainda muito por fazer, mas daqui
para a frente, particularmente em Portugal, estamos otimistas de que a
participação das mulheres no poder político alcançará um patamar de
representatividade igualitária”, antevê a presidente da PpDM. “Claro
que, na nossa perspetiva, isso deve acontecer o mais rapidamente
possível. E cá estamos e estaremos para apoiar as mulheres que se
candidatam e que exercem o poder, porque acreditamos que mais mulheres
na política trará mudanças significativas nas condições de vida das
mulheres e dos homens”.
Por sua vez, Helena Santos afirma que “a
política é um mundo marcadamente masculino, com tudo o que isso implica.
Nos estudos que tenho realizado com políticos, tenho percebido que, em
geral, é partilhada a ideia de que a Lei da Paridade serviu, de facto,
para abrir as portas e dar espaço às mulheres na política, mas elas
defendem que se trata de um mundo que permanece essencialmente masculino
e que o poder continua nas mãos dos homens”.
“As mulheres
continuam a perceber-se e a ser percebidas como ‘estranhas’, como ‘o
outro’, e a sentir-se muito inseguras, até porque continua a haver uma
elevada vigilância do seu desempenho. As mulheres continuam a ser
sujeitas a um maior escrutínio do que os homens, continuam a ter de
provar as suas competências. As mulheres continuam a ser sujeitas a
sanções informais e a encontrar mais obstáculos, apesar das suas
qualificações. E continuam a ter poucas ‘redes informais’. Além disso,
como é sabido, é às mulheres que continua a caber a questão da
‘conciliação’ da vida política e da vida familiar, continuando a
carregar a chamada ‘dupla jornada de trabalho’. Portanto, medidas de
ação positiva a estes níveis seriam muito bem-vindas”, conclui Helena
Santos. “Só assim se poderá caminhar no sentido de uma maior paridade de
género e da democracia mais plena”.
* Isto acontece porque nós mulheres cruzamos as pernas com pouca determinação. A sociedade é machista porque somos permissivas.
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ESTA SEMANA NA
"VISÃO"
Emails do Tutti Frutti reforçam suspeitas de desvio de dinheiros públicos
A VISÃO revela esta semana os emails comprometedores que o deputado do PSD Sérgio Azevedo terá enviado a empresários do seu círculo de amigos. Nessas mensagens de correio eletrónico, o deputado dará instruções detalhadas sobre como podiam assinar contratos com a Junta de Freguesia de Santo António, em Lisboa, e usar esse dinheiro para serem clientes da sociedade de advogados onde trabalha, a Legal Seven. Escutas telefónicas reforçam as suspeitas de um esquema de faturação falsa e avenças fictícias.
Enquanto
transcreviam centenas de escutas telefónicas e analisavam a
correspondência eletrónica da Operação Tutti Frutti, os inspetores da
Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) da Polícia Judiciária
(PJ) foram surpreendidos por emails em que Sérgio Azevedo, deputado e
ex-vice-presidente da bancada parlamentar do PSD, dava indicações
detalhadas a amigos empresários amigos sobre como todos poderiam lucrar
com contratos assinados com a Junta de Freguesia de Santo António, junta
lisboeta liderada pelo social-democrata Vasco Morgado.
O
nível de pormenores de algumas destas mensagens de correio eletrónico,
conjugado com escutas telefónicas que estão a ser transcritas, leva os
investigadores a suspeitar que Sérgio Azevedo terá montado, juntamente
com funcionários daquela junta de freguesia, um esquema de tráfico de
influência, participação económica em negócio, faturação falsa e
branqueamento de capitais que pode ter sido replicado noutras juntas de
freguesia de Lisboa.
O
plano descrito nos e-mails e em contatos telefónicos passaria por levar
a que determinada empresa fosse convidada por escrito a assinar um
contrato com a junta de freguesia, que esse contrato fosse adjudicado
mas que, no final, nenhum ou pouco trabalho fosse feito em prol daquele
órgão executivo local.
De
acordo com informações recolhidas pela VISÃO, nos planos alegadamente
traçados por Sérgio Azevedo, pelo menos parte da avença mensal paga pela
junta deveria ser reinvestida na contratação do escritório de advogados
onde aquele deputado do PSD trabalha: a Legal Seven, uma nova sociedade
de advogados com sede perto da Praça de Espanha, em Lisboa.
Um
dos destinatários dos emails de Sérgio Azevedo é Jorge Varanda, um
advogado de Braga que foi constituído arguido no final de junho na
Operação Tutti Frutti - que investiga trocas de influências entre
militantes do PS e do PSD para conseguirem posições estratégicas,
avenças e contratos públicos e ainda financiamento proibido de partidos
políticos e falsificação de fichas de inscrição de militantes.
Perante
a ausência de resposta de Jorge Varanda, os investigadores acreditam
que Sérgio Azevedo - que ainda não foi constituído arguido nem
interrogado neste inquérito, mas esteve sob escuta - terá recorrido a
outro amigo - José Paulo do Carmo - para levar avante o seu plano. A
história obriga a explicar um quadrado de relações que vão desembocar no
deputado do PSD.
* Apelamos a uma qualquer Fundação que estabeleça um prémio semanal para "o corruptozinho da semana", freguesia não falta.
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Como em 1977, pensar mete medo aos donos do poder
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HOJE NO
"FOLHA 8"
"FOLHA 8"
Infame cobardia de quem
se julga dono de Angola!
A conferência de imprensa, em Lisboa, do Presidente João Lourenço, foi hoje interrompida por uma órfã dos massacres, ou genocídio, do 27 de Maio de 1977, que tentava recitar um poema em memória dos pais, vítima da repressão ordenada por Agostinho Neto, presidente do MPLA.
O Presidente angolano, João Lourenço, permitiu a intervenção, mas não autorizou que declamasse o poema, considerando, pouco depois, questionado pelos jornalistas, que o caso de 27 de maio de 1977 é “um dossiê delicado” que ainda apresenta “feridas profundas” na sociedade. A segurança encarregou-se da retirar a jovem.
“Peço desculpa, eu sou órfã do 27 de Maio, desculpe comandante”, começou por dizer Ulika dos Santos, dirigindo-se ao Presidente angolano, aproveitando uma pergunta de uma jornalista portuguesa sobre os acontecimentos daquela data.
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“Sozinha [Ulika, em língua nacional umbundo], há 41 anos nós temos vindo a atravessar este silêncio ensurdecedor por parte do Governo angolano”, disse Ulika dos Santos, filha de Adelino António dos Santos, então dirigente da juventude do MPLA (partido no poder desde 1975).
“Posso ler o poema pela memória do meu pai? Tive de fugir do meu país devido ao risco de morte do meu pai”, insistiu.
O Presidente João Lourenço ainda deu instruções à segurança para que a deixassem acabar a intervenção, mas não autorizou que declamasse o poema, por se tratar de uma conferência de imprensa, com dezenas de jornalistas portugueses e angolanos.
No final da conferência de imprensa, Ulika foi levada pelos serviços de segurança, enquanto repetia, em lágrimas: “Não estou armada, só vim para ler um poema ao meu Presidente”.
Respondendo à pergunta dos jornalistas, João Lourenço assumiu que o 27 de Maio de 1977 “é um dossiê delicado”, porque “naquela ocasião Angola perdeu alguns dos seus melhores filhos”.
“O Estado angolano já reconheceu em diversas ocasiões, a última das quais muito recentemente, há dias atrás, na voz do ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, (…) ter havido excessos por parte do Governo naquela altura e estamos abertos ao diálogo para vermos de que forma, não obstante terem passado décadas deste triste acontecimento, como podemos reparar as feridas profundas que ficaram nos corações de muitas famílias”, concluiu o chefe de Estado.
A cobardia de João Lourenço
Estávamos a 17 de Setembro de 2016. O então ministro da Defesa de Angola e vice-presidente do MPLA, João Lourenço, denunciou tentativas de “denegrir” a imagem de Agostinho Neto, primeiro Presidente angolano.
João Lourenço discursava em Mbanza Congo, província do Zaire, ao presidir ao acto solene das comemorações do dia do Herói Nacional, feriado alusivo precisamente ao nascimento do primeiro Presidente angolano.
“A grandeza e a dimensão da figura de Agostinho Neto é de tal ordem gigante que, ao longo dos anos, todas as tentativas de denegrir a sua pessoa, a sua personalidade e obra realizada como líder político, poeta, estadista e humanista, falharam pura e simplesmente porque os factos estão aí para confirmar quão grande ele foi”, afirmou.
João Lourenço nunca se referiu ao caso na sua intervenção, mas o bureau político do MPLA criticou em Julho de 2016, duramente, o lançamento em Portugal de um livro sobre o MPLA e o primeiro Presidente angolano, Agostinho Neto, queixando-se então de uma nova “campanha de desinformação”.
Em causa estava (continua a estar) o livro “Agostinho Neto – O Perfil de um Ditador – A História do MPLA em Carne Viva”, do historiador luso-angolano Carlos Pacheco, lançado em Lisboa a 5 de Julho de 2016, visado no comunicado daquele órgão do Comité Central do partido no poder em Angola desde 1975.
Carlos Pacheco disse na altura que a obra resulta de uma década de investigação histórica e que “desmistifica” a “glória” atribuída ao homem que conduziu os destinos do movimento que lutou pela libertação do jugo colonial português em Angola (1961/74). Contudo o livro tem sido fortemente criticado em Luanda, por parte de dirigentes e elementos afectos ao MPLA e da fundação com o seu nome.
“A República de Angola está a ser vítima, mais uma vez, de uma campanha de desinformação, na qual são visadas, de forma repugnante, figuras muito importantes da Luta de Libertação Nacional, particularmente o saudoso camarada Presidente Agostinho Neto”, lê-se no comunicado do bureau político.
Na intervenção em Mbanza Congo, João Lourenço, que falava em representação do chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, sublinhou que Agostinho Neto “será sempre recordado como lutador pela liberdade dos povos” e um “humanista profundo”.
“Como atestam as populações mais carenciadas de Cabo Verde, a quem Agostinho Neto tratou gratuitamente, mesmo estando ele nas condições de preso politico. É assim como será sempre lembrado, por muitas que sejam as tentativas de denegrir”, afirmou o então ministro da Defesa e hoje Presidente da República.
“Em contrapartida”, disse ainda João Lourenço, os “seus detractores não terão nunca uma única linha escrita na História, porque mergulhados nos seus recalcamentos e frustrações, não deixarão obra feita digna de respeito e admiração”.
“Não terão por isso honras de seus povos e muito menos de outros povos e nações. A História encarregar-se-á de simplesmente ignorá-los, concentremos por isso nossas energias na edificação do nosso belo país”, disse João Lourenço.
Como em 1977, pensar mete medo aos donos do poder
Sabendo o que dizia mas não dizendo o que sabe, João Lourenço alinhava (e alinha) na lavagem da imagem de Agostinho Neto numa altura em que, como sabe o regime, os angolanos começam cada vez mais a pensar com a cabeça e não tanto com a barriga… vazia.
Terá João Lourenço alguma coisa a dizer aos angolanos sobre os acontecimentos ocorridos no dia 27 de Maio de 1977 e nos anos que se seguiram, quando dezenas de milhar de angolanos foram assassinados por ordem de Agostinho Neto?
Agostinho Neto, então Presidente da República, deu o tiro de partida na corrida do terror, ao dispensar o poder judicial, em claro desrespeito pela Constituição que jurara e garantia aos arguidos o direito à defesa. Fê-lo ao declarar, perante as câmaras da televisão, que não iriam perder tempo com julgamentos. Tal procedimento nem era uma novidade, pois, na história do MPLA tornara-se usual mandar matar os que se apontavam como “fraccionistas”.
O que terá a dizer sobre isto o agora Presidente da República, general João Lourenço?
Agostinho Neto deixou a Angola (mesmo que João Lourenço utilize toda a lixívia do mundo) o legado da máxima centralização de um poder incapaz de dialogar e de construir consensos, assim como de uma corrupção endémica. E os portugueses que nasceram e viveram em Angola, ainda hoje recordam o papel que teve na sua expulsão do país. Antes da independência declarava que os brancos que viviam em Angola há três gerações eram os “inimigos mais perigosos”. Em 1974, duvidava que os portugueses pudessem continuar em Angola. Em vésperas da independência convidava-os a sair do país. E já depois da independência, por altura da morte a tiro do embaixador de um país de Leste, cuja viatura não parara quando se procedia ao hastear da bandeira de Angola, dirigiu-se, pela televisão, aos camaradas, para lhes dizer que era preciso cuidado, pois nem todos os brancos eram portugueses.
Um dos maiores genocidas
Em Maio de 1977, não houve pioneirismo, pelo contrário, não tendo Agostinho Neto conseguido massacrar a humilhação passada no Congresso de Lusaka, o primeiro democrático do MPLA, onde o eleito foi Daniel Júlio Chipenda, Agostinho Neto consumou a grande chacina, para estancar, com o temor, uma série de cisões e problemas que calcorreavam incubados, desde a sua chegada ao MPLA, convidado pela anterior direcção.
Esta demonstração de força, serviu para demonstrar, que se o poder fosse posto em causa, a direcção e Agostinho Neto, não teriam pejo de sacrificar com a própria vida todos quantos intelectualmente o afrontassem. Foi assim ontem, é assim hoje, infelizmente, como bem sabe João Lourenço.
Numa só palavra, quando este MPLA sente o poder ameaçado, não hesita: humilha, assassina, destrói, elimina, atira aos jacarés.
É a sua natureza perversa demonstrando não estar o MPLA preparado para perder o poder e, em democracia, com a força do voto se isso vier a acontecer, a opção pela guerra será o recurso mais natural deste partido, não é general João Lourenço?
Não é em vão que temos dois exércitos: as FAA e o exército privado a UGP (Unidade de Guarda Presidencial), mais a partidarização da Polícia Nacional; da Segurança de Estado; do SIC (Serviços de Investigação Criminal); do sistema de Justiça e dos Tribunais e a maioria dos juízes, tudo previamente montado, para contrariar a vontade popular.
Em todos os meses do ano nunca devemos esquecer, por força do sofrimento de milhares e dos assassinatos de igual número, das prisões arbitrárias, da Comissão de Lágrimas, da Comissão de Inquérito, dos fuzilamentos indiscriminados, etc..
Muitos acreditaram, em 1979, que com a ascensão de Eduardo dos Santos ao poder, num eventual reencontro com a verdade e a reconciliação interna, sobre a alegada intentona, que ele próprio sabe nunca ter existido. Infelizmente, não se conseguiu despir da cobardia e cumplicidade, ostentada desde o tempo de Agostinho Neto e da sua clique: Lúcio Lara, Onambwé, Iko Carreira, Costa Andrade “Ndunduma”, Artur Pestana “Pepetela”, entre outros.
Dos Santos mostrou ser um homem que, pelo poder, foi capaz de tudo: violar a Constituição, as leis, humilhar, desonrar e assassinar, todos quantos não o bajulavam. Exemplos para quê, eles estão à mão de semear… nas cadeias, no exílio, nos cemitérios, no estômago dos jacarés. E João Lourenço está a mostrar-se um bom aluno desta cátedra.
“Não vamos perder tempo com julgamentos”, disse no pedestal da sua cadeira-baloiço, um dos maiores genocidas do nacionalismo angolano e da independência nacional, Agostinho Neto. João Lourenço sabe que isto é verdade, mas – apesar disso – enaltece o assassino e enxovalha a memória das vítimas.
Esta posição da lei da força, marcaria para todo o sempre o sistema judicial, judiciário e de investigação policial em Angola, onde a presunção e a defesa de uma ideologia diferente da do partido no poder, são causa bastante para acusação, julgamento, prisão e até mesmo assassinato político, ainda que a pena de morte, não esteja consagrada na Constituição.
Sempre que o regime diz o que agora repete João Lourenço, todos devemos fazer uma viagem de regresso a 1977 para ver como estão as cicatrizes daquele período de barbárie, que levou muitos de nós às fedorentas masmorras da polícia política de Agostinho Neto, ou mesmo aos assassinatos atrozes, como nunca antes o próprio colono português havia praticado contra muitos intelectuais pretos, sendo o próprio Neto disso um exemplo.
Desde 1977 que Angola, o Povo, aguarda pela justiça, mas com as mentes caducas no leme do país, essa magnanimidade de retractação mútua, para o sarar de feridas, não será possível, augurar uma Comissão da Verdade e Reconciliação, muito também, por não haver um líder em Angola.
* Seria conveniente que todos os deputados do parlamento português lessem esta peça.
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