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Na mesma situação,
eu sou o outro
As únicas guerras que valem a pena são as que travamos
internamente na conquista do contacto com a nossa essência, a caminho do
nosso desenvolvimento pessoal.
Escrevo-me de onde sou e na certeza de que a minha verdade não reclama
mais do que assume ser. Não se tratando de uma afirmação de humildade
mas sim de uma convicção, partilho-a por dizer muito da minha posição
perante o posto que assumi neste Ano Europeu para o Desenvolvimento.
Apresento-me.
Desde o momento em que me consciencializei da minha existência que me
sei factor permanente em todas as equações cujo resultado seja a
discussão.
Algumas mais dramáticas, o lado artístico
revelou-se muito cedo em mim, outras, na sua maioria, debates acesos
pelo fervor da busca incessante pelo que é justo, pelo conhecimento ou
pela defesa da validade das minhas experiências.
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Nunca gostei de barulho mas nunca o temi ou driblei quando surgiu no meu caminho.
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Falava,
mesmo quando não era solicitada a minha opinião, se a conversa
afectasse as minhas escolhas ou perturbasse a minha concepção do mundo e
intervinha se presenciasse comportamentos abjectos.
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Nunca
alinhei. Vivia num mundo muito meu mas sentindo-me e sendo parte
integrante de um mundo comum. Nem mais, nem menos. A idade, a origem, o
género, o cargo, a capacidade de reter datas e factos, os apelidos, o
número de dígitos das contas bancárias ou os canudos nunca tiveram em
mim senão o peso da presença traduzida em carne e osso nas acções.
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Sempre tive voz e fiz-me ouvir por acreditar que sou a melhor advogada que as minhas ideias poderão contratar.
Sou
a terceira e última da dinastia, justamente feminina, Ferreira Semedo.
Quatro anos distanciam o meu do nascimento da primogénita. Partilhávamos
aposentos. Estava montado o cenário perfeito para a guerra. E ela foi
declarada. Várias vezes. E eu sempre presente, sempre a minoria (a
aliança deu-se pela semelhança de interesses da superioridade etária).
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Aos
gritos, puxões de cabelo, impropérios proferidos e às lágrimas os
nossos progenitores respondiam com paciência e sabedoria. Nunca se
posicionavam perante as apresentações inflamadas dos temas que
provocavam a disputa antes reforçavam a importância do respeito pelo
outro e tornavam-nos responsáveis pelo restabelecimento da paz. A mais
profunda. A de espírito.
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E ali ficávamos horas a fio, barriga com
barriga, olhos nos olhos, a sentir a respiração do inimigo, o calor da
pele e os contornos dos umbigos. Todo o arremesso fazia ricochete.
Gritar não fazia sentido. A raiva era a primeira a ceder e o orgulho,
cavalheiro, acompanhava-a. O cansaço acomodava-se, o bom senso
impunha-se e ela, a outra, a boa, ia-se instalando lentamente, entre
tímidos retrocessos e corajosos avanços. Com o tempo, as guerras
foram-se aquietando e o diálogo, a única arma fornecida pelos nossos
soberanos para a resolução das contendas, revelou-se eficaz no encontro
das nossas diferenças.
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À semelhança da paz, este processo
instalou-se em mim. Não tendo perdido a matriz do eterno questionamento e
a firme necessidade de testar ao limite os meus argumentos, atrofiei o
músculo gatilho para o ataque às ameaças às minhas ideias, vontades e
convicções. Rapidamente percebi que as mesmas não precisam de defesa e
que, a cada teste, fortalecem ou dão lugar a outras que me traduzem
melhor. Com a mesma velocidade descobri que o único intuito desejável
numa discussão é a aprendizagem, o auto conhecimento e o crescimento e
esses só se dão quando nos disponibilizamos a ouvir. As únicas guerras
que valem a pena são as que travamos internamente na conquista do
contacto com a nossa essência, a caminho do nosso desenvolvimento
pessoal. E de repente, quando eliminamos os medos e as inseguranças,
estamos mais próximos de nós e estamos mais próximos do outro. Entre nós
só as circunstâncias. Na mesma situação, eu sou o outro. Instalado este
pressuposto e assumido o compromisso com a verdade e com a justiça, o
mundo será outra coisa, todas as vidas valerão o mesmo e as intenções
que as constituições, convenções e declarações defendem serão
efectivamente direitos pois, aí sim, serão inalienáveis.
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Seremos a paz, a segurança e desenvolvimento que procuramos.
Embaixadora do Ano Europeu para o Desenvolvimento
IN "PÚBLICO"
31/05/15
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