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Um Verão português
Para um país
cuja actualidade é tão pateta durante o ano inteiro, seria de esperar
que a silly season portuguesa não se distinguisse das temporadas
restantes. Gloriosamente, distingue-se: o nosso Verão consegue elevar o
ridículo a níveis desconhecidos para cá da Venezuela, onde "um
passarinho" acaba de contar ao Presidente Maduro que Hugo Chávez - o
"grande profeta" - se sente "feliz".
Ele é a passagem à
"clandestinidade revolucionária" do Partido da Nova Democracia na
Madeira, embora que se saiba ninguém, incluindo os cidadãos com direito
de voto, persiga a referida agremiação. Ele é a "praia urbana" no centro
de Lisboa. Ele é a "pipa de massa", o termo técnico utilizado por Durão
Barroso para explicar a próxima vaga de fundos europeus. Ele é o "génio
do Euromilhões" que descobriu que a multiplicação das apostas aumenta a
probabilidade de sucesso e nem assim arranja 500 euros para ir aos EUA
apresentar a boa-nova. E ele é o presidente de uma Federação Portuguesa
de Cicloturismo, que quer os automobilistas a pagar os acidentes
provocados pelos ciclistas (ou apenas os acidentes de autoria duvidosa,
as notícias não são claras).
O caso do senhor José Caetano merece
atenção redobrada. Segundo este repentino herói da classe operária, quem
anda de bicicleta fá-lo por falta de dinheiro para um carro, um passe
social ou, lá está, um vulgar seguro de responsabilidade civil (cerca de
25 euros, pelas minhas pesquisas). Como é que semelhante desgraçado foi
capaz de comprar uma bicicleta é mistério que me escapa. Mas essa não é
a questão levantada pelo senhor José Caetano. A questão é a necessidade
de constatar com urgência que todos os condutores de automóveis são uns
nababos arrogantes e empenhados em estraçalhar os sucessores de Eddy
Merckx que se lhes atravessem à frente. A questão é a presunção da
inocência dos que têm menos, ou dos que aparentam ter menos.
Razão
tinha Enver Hoxha, que por via das dúvidas pôs os albaneses em peso a
pedais. Na falta de regime tão justo, Portugal debate-se com os
ressentimentos decorrentes da desigualdade, os quais levam o milionário
do Hyundai a maltratar o pobre que sprinta na contramão e, para cúmulo, a
exigir o arranjo do pára-choques. No fundo, é a lengalenga do Brecht,
do rio e das margens revisitada. E é a luta de classes em versão Código
da Estrada. Certo, certo é que as massas se agitam e a revolução não
tarda. Só se atrasou um bocadinho porque de bicicleta as massas demoram a
chegar.
Quinta-feira, 31 de Julho
A campanha
A
revista Sábado fez capa com a revelação de que o comentador
televisivo/bacharel em Engenharia/ vendedor de fármacos/mestre em
Filosofia Política José Sócrates é suspeito no caso Monte Branco. Com
rapidez pouco habitual na Justiça caseira, a Procuradoria-Geral da
República esclareceu que "José Sócrates não está a ser investigado nem
se encontra entre os arguidos constituídos no processo" em causa, o
visado apareceu na RTP a falar de "canalhice", certo PS falou de
"campanha negra" e o bom povo dividiu-se na apreciação da notícia. Vamos
por partes.
Em primeiro lugar, pelo menos desde que, em 2013, o
DCIAP desmentiu qualquer envolvimento de Ricardo Salgado justamente no
Monte Branco que os desmentidos da PGR têm uma importância assaz
relativa. Em segundo lugar, cabe notar que a sofisticação argumentativa
de José Sócrates tende a perder algum impacto por força da repetição das
palavras "canalhas", "bandalhos" e "patifes" (para me limitar às
reproduzíveis num jornal decente). Em terceiro lugar, nem o trocadilho
cromático alivia a velha crença do PS "socrático" de que o Amado Chefe é
perseguido pela inveja dos simples mortais. Por fim, resta a devoção
cega ou o ódio exaltado que o povo anónimo dedica à criatura, critérios
determinantes na crítica ou no aplauso à Sábado.
Este último ponto
é tanto mais curioso quanto é costume dizer--se que só as grandes
figuras suscitam sentimentos assim extremados. Quem o diz, obviamente,
não conhece Portugal, onde, de Salazar a Cunhal, as paixões e as fúrias
distinguem rematadas mediocridades. Mas talvez nunca tivessem
distinguido uma mediocridade do calibre de José Sócrates, vulto que
apenas se destaca pela particular inépcia, pelo descaramento acima do
comum e por uma tendência para ver o seu óptimo nome envolvido em 85%
das trapalhadas que a nossa Justiça tenta "resolver".
Entretanto,
outras publicações falam em suspeitas alusivas à compra de um
apartamento em Paris por três milhões. Trata-se, evidentemente, de nova
canalhice e da velha campanha. Negra, como se impõe.
Sexta-feira, 1 de Agosto
"Gays" pela Palestina: a sério?
Três
mil pessoas protestaram junto à embaixada de Israel contra a "ocupação
sionista", o "massacre da Palestina", o "genocídio de Gaza" e o "estado
terrorista" que "mata mulheres e crianças".
Curioso. Haverá em
Lisboa dezenas de embaixadas de regimes de facto terroristas que ocupam
ilegalmente territórios, praticam massacres e arremedos de genocídio e
assassinam mulheres e crianças. Porém, nunca nenhum desses edifícios é
incomodado com aglomerações de ociosos aos gritos. À primeira vista, ou
os indignados profissionais só se preocupam com as vítimas árabes ou com
os "crimes" israelitas. À segunda vista, fica claro que, como as
matanças de sírios, líbios ou palestinianos "dissidentes" não merecem um
resmungo, o problema é apenas com Israel. Deixo à imaginação, ou às
recorrências da história, a tarefa de perceber porquê.
Mas não
falemos de coisas tristes. Na manifestação em causa, além dos lencinhos
fedayin e geral parafernália típica destas pândegas, exibiu-se pelo
menos um sujeito com a bandeira do arco-íris, marca do "orgulho gay".
Não imagino nada tão peculiar quanto a defesa do Hamas através de um
símbolo que o Hamas pune com prisão, tortura e, quando calha, execução.
Já que os indignados profissionais gostam de comparar a invasão de Gaza
ao Holocausto, seria o mesmo que um apoiante de Hitler ostentar a
estrela de David nos comícios do Deutschlandhalle. Seria, não: é.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
03/08/14
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