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Cortes nas pensões:
mitos e contradições
Se faz parte do grupo dos que acreditam que a
proposta de cortes nas pensões vai afectar aqueles que conquistaram uma
reforma generosa durante passagens meteóricas pelo Estado, desengane-se.
Se acha que estes cortes devem avançar para aliviar a sacrificada
geração de trabalhadores, esqueça. Embora o preâmbulo do diploma tenha
sido cuidadosamente preparado para juiz do Constitucional ler, é difícil
argumentar-se que dali resultará uma repartição dos esforços
efectivamente justa, quer entre categorias de pensionistas, quer entre
gerações.
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Apesar de o corte até 10% nas pensões
ser justificado com a necessidade de criar condições de igualdade entre o
sector público e o privado, ele não vai apanhar nem as pensões mais
altas do Estado, nem aquelas que gozaram de maior arbitrariedade na sua
fixação. A proposta apresentada esta semana aplica-se às pensões da
Caixa Geral de Aposentações (CGA). Ficam abrangidos os funcionários
públicos em sentido estrito e eventualmente os reformados de fundos de
pensões que foram transferidos para a CGA, como a CGD, NAV, CTT,
Marconi, Ana, entre outros. Mas, mesmo aqui, excepcionam-se os que têm
pensões indexadas aos salários dos trabalhadores, o que deixa pelo menos
a CGD de fora.
De fora do alcance dos cortes ficam ainda, e por definição,
os reformados de empresas públicas que estão alojados na Segurança
Social, como o Metro, Carris, STCP ou TAP. Nestes casos estão
salvaguardadas tanto as pensões como os complementos de pensão que estas
empresas atribuem. A salvo ficam ainda as reformas pagas por fundos de
pensões de entidades públicas como o Banco de Portugal.
Como
é bom de concluir, são os sectores do Estado onde a fixação de salários
e pensões andou muitas vezes ao sabor da generosidade das
administrações, que ficam, no essencial, salvaguardados dos cortes
definitivos. E é a "arraia miúda" que leva com eles.
A
reposição da equidade intergeracional é outro dos mitos que esta
proposta esboroa. Diz o Governo que os actuais trabalhadores enfrentam
um esforço desproporcionado entre o que descontam e o que vão receber no
futuro a título de pensão. E, por isso, é preciso cortar nas pensões
actuais para calibrar esforços. Mas não há nas propostas qualquer alívio
nos descontos dos actuais trabalhadores nem tão pouco uma melhoria na
fórmula de cálculo das pensões futuras.
Pelo
contrário, a proposta do ministro Pedro Mota Soares encerra um castigo
adicional à futura geração de reformados. Ao alterar artificialmente o
cálculo do factor de sustentabilidade, deslocando a sua base do ano 2006
para o ano 2000, o Governo está a ditar uma redução adicional no valor
das futuras pensões. Para se ter uma ideia, ao ritmo a que a esperança
de vida vinha evoluindo, quem se reformar em 2040 ia enfrentar uma
desvalorização da sua pensão na ordem dos 23%. Com a alteração desta
fórmula, que terá reflexos directos na idade da reforma, a penalização
será de 29%, tanto no sector público como no privado. E poderá não ficar
por aqui.
Por fim, uma questão menor, mas que é
reveladora dos diferentes níveis de delicadeza com que o Governo trata
diferentes grupos sociais. As bonificações na contagem de tempo de
trabalho para a reforma, de que beneficiam alguns militares e autarcas,
por exemplo, vão acabar. Mas terminarão no final do ano
salvaguardando-se o tempo acumulado até essa data. Aqui, respeitam-se
escrupulosamente direitos ainda em formação. A quem já está a receber as
pensões não se reconhecem direitos já formados.
Com tamanhas incongruências e discriminações não admira que o Governo esteja apreensivo com o Tribunal Constitucional.
*Jornalista
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
09/08/13
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