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Cientistas conseguiram regenerar o coração depois de um enfarte
Dois portugueses obrigaram células musculares cardíacas a multiplicarem-se, o que não acontece naturalmente. Dois meses após um enfarte, a função cardíaca dos roedores da experiência era quase normal.
A maioria dos órgãos adultos dos mamíferos não se regenera. À
excepção de alguns casos, como o fígado, as células não são capazes de
começar a dividir-se para salvar a função de um órgão, quando ele sofre
danos. Por isso, a seguir a um enfarte de coração, a actividade
circulatória não volta a ser a mesma. Mas um trabalho liderado por dois
cientistas portugueses, em Itália, conseguiu que as células musculares
de ratos e ratinhos se multiplicassem após um ataque cardíaco. Os
roedores recuperaram a função do coração quase totalmente, segundo os
resultados publicados na última edição da revista Nature.
Um ataque cardíaco dá-se quando há células no coração a morrer em
massa.
Esta mortandade acontece quando uma região do músculo deixa de
receber oxigénio e nutrientes vindos do sangue. As pessoas que
sobrevivem ao enfarte têm a função cardíaca comprometida. Uma porção do
músculo fica morta, forma-se uma cicatriz e o coração deixa de bombear o
sangue com a eficácia de antes. "Este é o problema: as células
musculares do coração não são capazes de se dividir", diz Miguel Mano ao
PÚBLICO. "É preciso arranjar uma alternativa."
O cientista português, de 35 anos, pertence a uma equipa do Centro
Internacional de Engenharia Genética e Biotecnologia de Trieste, no
Norte de Itália. Durante os dois anos desta experiência, Miguel Mano
esteve a trabalhar com Ana Eulálio, que é a primeira autora do artigo e
tem uma larga experiência laboratorial em micro-ARN – uma classe de
moléculas com uma função muito importante na regulação genética das
células.
"Os micro-ARN regulam a expressão [actividade] de um número grande de
proteínas ao mesmo tempo. São muito importantes no desenvolvimento
embrionário", explica Miguel Mano.
Os genes são partes da molécula de ADN que está no núcleo das células.
Contêm a informação necessária para a produção das proteínas do corpo.
Na linha de montagem das proteínas, o primeiro passo é o gene ser
copiado, ou transcrito, para uma molécula semelhante ao ADN chamada ARN.
Este ARN-mensageiro sai do núcleo das células e é usado como molde para
a produção da proteína.
A célula regula a actividade ou a inactividade destes genes logo na
molécula de ADN. Mas os micro-ARN, descobertos quase há 20 anos, vieram
acrescentar um grau novo a este controlo. Estas pequenas moléculas de
ARN ligam-se ao ARN-mensageiro e impedem que ele sirva de molde para
produzir a devida proteína. Só que uma molécula de micro-ARN pode
ligar-se a diferentes ARN-mensageiros e com isso impedir a produção de
várias proteínas.
Em Trieste, Miguel Mano tinha montado uma biblioteca de microARN
humanos. Em conjunto com Ana Eulálio – hoje chefe de grupo na
Universidade de Würzburg, na Alemanha –, o cientista testou perto de 900
micro-ARN humanos em células musculares cardíacas de ratos e ratinhos,
para ver se algum provocaria a divisão das células, algo que não
acontece naturalmente.
Os investigadores descobriram que 204 micro-ARN promoviam a
multiplicação nas células de rato e, desses, 40 mantinham esse poder
também nas células de ratinho – outra espécie usada como cobaia. Depois
de uma série de experiências, a equipa conseguiu isolar os dois
micro-ARN mais potentes. De seguida, injectaram-se estas duas moléculas
separadamente no coração de ratos e de ratinhos, durante uma operação,
pouco depois de lhes ter sido provocado um ataque cardíaco. Resultado:
as células musculares começaram a multiplicar-se e, ao longo de dois
meses, regeneraram boa parte do tecido que tinha sofrido o enfarte. O
coração ficou sem cicatriz e a sua função foi restabelecida quase
totalmente.
A equipa descobriu que cada um destes dois micro-ARN reduzia os níveis
de actividade de cerca de 600 genes e aumentava a actividade de outros
800. "Com uma só molécula, alterámos o programa celular", sublinha
Miguel Mano.
O próximo passo, em Trieste, será testar estes micro-ARN em cães e
porcos, dois modelos com uma fisiologia mais parecida com a do homem. "É
muito provável que estas moléculas funcionem em humanos." Mas, antes, é
preciso perceber se a sua aplicação tem efeitos secundários.
* Inteligência portuguesa ao serviço da ciência
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