O homem-lapso
A troika bem avisou que um dos problemas mais graves do país era a dificuldade de despedir gente na função pública. O mais provável é que todo o povo português se demita antes de Miguel Relvas.
Toda a gente devia
ter o seu Miguel Relvas. Dá jeito em qualquer ocasião. Um estudante não
sabe a resposta a uma pergunta e, para distrair o júri da oral, exibe um
Miguel Relvas. Um gatuno entra numa casa e, para entreter os cães,
atira-lhes um Miguel Relvas. Uma mulher é apanhada com o amante e, para
desviar a atenção do marido, apresenta-lhe um Miguel Relvas.
Infelizmente, só o Governo tem o privilégio de ter um Miguel
Relvas. E o Miguel Relvas do Governo é o melhor de todos os Miguéis
Relvas. Trata-se de um Miguel Relvas que, além de conseguir desviar a
atenção do que é mais importante no Governo, desvia a atenção do que é
mais importante em Miguel Relvas. Miguel Relvas consegue ser Miguel
Relvas de si mesmo. Por causa do que Miguel Relvas fez na Lusófona, já
ninguém fala do que Miguel Relvas fez ao Público. E, no entanto, os
casos relacionam-se em toda a sua esplendorosa relvice. Na altura em que
foi confrontado com o facto de, em duas legislaturas seguidas, ter
alegado frequentar o segundo ano do curso de Direito, quando na verdade
tinha feito apenas uma cadeira do primeiro ano, Miguel Relvas disse que
se tratava de um lapso. Quando constatou que a deliberação da ERC não
referia a "pressão inaceitável" do ministro, o presidente do organismo
disse que se tratava de um lapso. Um lapso a propósito de um homem que
tinha incorrido em dois lapsos, com uma cifra final de lapsos que acaba
por ascender a três. Esta salsada de lapsos passou sem reparo. É uma
orgia de enganos. Um bacanal de equívocos. Uma ménage-a-trois de
quiproquós. Merecia mais e melhor atenção.
No momento em que escrevo, Miguel Relvas ainda não se demitiu.
Talvez no lapso de tempo que decorre entre a escrita deste texto e a sua
publicação, ocorram outros lapsos que o obriguem a demitir-se. Mas não
parece provável. Nem, devo dizer, necessário. Um número relativamente
alargado de pessoas exige uma demissão, ignorando que já houve várias.
Ricardo Alexandre deixou de ser director-adjunto da RDP, Maria José
Oliveira deixou de ser jornalista do Público e Fernando Santos Neves
deixou de ser reitor da Lusófona do Porto. Quase todos os envolvidos
nestes casos abandonaram as suas funções, menos Relvas.
A troika bem
avisou que um dos problemas mais graves do País era a dificuldade de
despedir gente na função pública. Agora é possível apostar, na internet,
no momento que Relvas escolherá para se demitir. É dinheiro deitado à
rua. O mais provável é que todo o povo português se demita antes de
Miguel Relvas.
IN "VISÃO"
26/07/12
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