Regabofe
Do já bastante dissecado discurso de Passos Coelho, feito no Pontal,
tomo hoje para reflexão duas afirmações que merecem análise mais atenta.
Disse o primeiro-ministro (PM) que "há ainda quem pense que depois
deste ínterim o regabofe pode voltar", quem pense "que cumprido este
aperto, cumpridas estas formalidades" será possível "voltar ao que era
dantes" e "dar subsídios indiscriminadamente".
Afirmou também que os
portugueses não podem voltar a "fazer bonitos com dinheiro que não era
seu" e consumir sem prestar contas.
Estas afirmações são ardilosas, pensadas para sensibilizar
consciências e ganhar apoios. Como o discurso foi feito no Algarve, é
oportuno trazer aqui uma quadra muito esclarecedora do poeta algarvio
António Aleixo: "Para a mentira ser segura e atingir profundidade, tem
de trazer à mistura qualquer coisa de verdade".
O que está na mente e na prática política de Passos Coelho e seus pares, quanto ao conceito regabofe?
Será
o enriquecimento fácil, feito através da especulação financeira, que
colocou como referências de êxito na sociedade os Berardos deste país?
São os processos de compadrio e corrupção desenvolvidos pelo centrão de
poderes, com profundas promiscuidades entre os interesses públicos e os
privados, que propiciaram as fortunas dos Loureiros e Limas da nossa
desgraça?
São as facilidades aos grandes detentores de ações da Banca ou
de grupos económicos (e seus gestores) garantindo-lhes margens de lucro
fabulosas e dispensando-os do devido contributo para o Orçamento do
Estado?
Serão os roubos organizados que consubstanciaram
"empreendimentos" de êxito como o BPN?
Será a fácil apropriação privada
dos recursos que eram do povo português, como aconteceu com parte dos
fundos comunitários?
Será a venda a desbarato de capacidades produtivas
do país em negócios de ocasião, propiciados a "empresários" sem qualquer
empenho no desenvolvimento do país, ou a entrega das empresas públicas
em processos de privatização prejudiciais ao desenvolvimento do país?
Não!
Quem fez bonitos com dinheiro que não era seu? Quem desviou milhões e milhões e não presta contas?
Basta
observar as políticas seguidas e sabemos o que está na mente do PM. Em
nome do combate ao regabofe está uma política de redução de salários e
de pensões de reforma; de destruição de emprego e de aumento do
desemprego; de ataque ao direito ao trabalho e ao trabalho com direitos;
de redução acelerada do acesso ao subsídio de desemprego ou a proteção
social mínima; de pôr fim a recursos e valências dos hospitais e centros
de saúde, diminuindo perigosamente a oferta de cuidados de saúde; de
introdução de um dualismo perigoso e reacionário nos percursos escolares
dos nossos jovens, a coberto de propaganda enganosa sobre as políticas
educativas.
O duro dia a dia da maioria dos portugueses e
portuguesas mostra-nos à exaustão que, para Passos Coelho, combate ao
regabofe significa tentar eliminar o Estado Social, os direitos sociais e
direitos cívicos fundamentais. Significa práticas governativas de
desrespeito das leis e da Constituição da República nas áreas do
trabalho, da educação, da saúde, da organização económica e social.
As
políticas do atual Governo têm como objetivo o empobrecimento e o recuo
social e civilizacional, insistindo na tese de que isso é
imprescindível para depois crescermos e nos desenvolvermos. Mas sem se
saber quando e como.
A estratégia é simples. Primeiro,
culpabilizaram os trabalhadores, os reformados, os desempregados, os
estudantes, os doentes, inculcando-lhes a ideia de que os seus direitos
ao trabalho, à reforma, ao subsídio de desemprego, à proteção social, ao
ensino, à saúde, a condições de vida digna, eram privilégios e regalias
que desequilibraram as contas e deram origem à crise. Agora, para
consolidar nos trabalhadores e no povo a perda dos seus pequenos
direitos dizem-lhes: nem pensem voltar ao passado porque isso era o
regabofe.
Ao hiato de tempo em que consumam o roubo, chama o PM "aperto" para cumprimento de "formalidades".
Vamos lá travar-lhe o atrevimento!
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
25/08/12
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