Patafúrdios
“Ó sorte malvada, que vida desgraçada, aiaiai.” Tenho o maior respeito por quem trabalha, seja no público seja no privado, mas começam a escassear empregos para tanta gente
Quando era miúda havia uns desenhos animados, a “Árvore dos Patafúrdios”, que tinham como fundo musical uma composição de Sérgio Godinho. A música, curiosamente das poucas deste autor que são do meu agrado, tinha uma letra que versava mais ou menos assim: “Por incrível que pareça, por incrível que pareça, não há nada, não há nada, que não nos aconteça, ó sorte malvada, que vida desgraçada, aiaiaiaiai, aiaiaiai…”
Hoje, à distância de uns valentes anos, recordo aquela árvore de uma forma quase mitológica. E, já diziam os antigos gregos, a mitologia explica o sentido da origem das coisas.
Pluto (não, não é o cão da Disney), o deus da riqueza, teve por filha a Loucura, que nasceu nas Ilhas Afortunadas… Como Erasmo me parece real…
Depois dos anos em que andámos literalmente em Plut(ã)o, no devaneio de vidas irreais, fáceis e a uma velocidade estonteante, acabamos agora na insanidade de ter de cumprir indicadores, mapas e decisões que nos fazem questionar cada segundo do nosso tempo, a modos de contabilista... Anjos caídos … é assim que vejo as pessoas.
Mas, convenhamos, já todos percebemos que temos o Estado a viver acima das nossas possibilidades. E agora, já que temos de penar segundo estas novas tosquias, chegou a altura de estarmos mesmo, mas mesmo, todos conscientes dessa realidade.
Manuela Ferreira Leite acha que fomos expropriados de tempo, e eu, embora reconheça que tem razão, afirmo convictamente que não nos resta mais que dilatar o pouco que nos é dado. Ninguém nos conhece melhor que nós próprios, e neste momento, para mal dos nossos pecados, também a troika que nas suas congeminações já terá pensado por certo mais de uma vez que iríamos voltar a falhar os prazos acordados.
À boa maneira portuguesa, as filas existem porque gostamos de entupir serviços com tudo e com nada. Os pagamentos no último dia do prazo são a regra e não a excepção. As matrículas na escola até podiam estar reduzidas a um dia, porque é mesmo no limite que o fazemos, que o fruto proibido é o mais apetecido. A entrega do IRS é sempre à queima, e até para receber se protela. O depósito do cheque é para quando der jeito passar no banco, como se fôssemos protagonistas de uma série americana onde a bomba é desactivada ao minuto 00h01.
Millor Fernandes, o célebre humorista brasileiro, dizia que, se apertar a barriga dói, a solução é simples, deixe de a apertar com o dedo. Não passa a doença, mas pelo menos não dói. Ora no nosso caso adiar a dolorosa não sei se resolveria. Mas também não sei se sobreviveremos. Aumentos. Reduções. Tudo o que são inquietações do comum dos portugueses são desconcertantes, mas apenas uma gota de água num imenso oceano quando comparadas com a verdadeira dimensão da tragédia.
Quando se tem de explicar que uma redução de salário é preferível a não haver salário, acho que todos percebem, mas quando se tem de explicar que para haver trabalho para uns não pode haver para outros, isso já é digno de uma estupefacta interrogação, ou seja, mas porquê?
Porque temos um Estado pejado de muitos, muitos bons profissionais, mas também, e infelizmente, de muitos maus! Podiam ser menos? Podiam! E não era a mesma coisa! É muito doloroso falar desta maneira. Mas está na altura de o problema ser enfrentado como tem de ser, de frente.
Tenho o maior respeito por quem trabalha, seja no público seja no privado, mas começam a escassear empregos para tanta gente.
Dizia-me um amigo meu, pequeno empresário tipo: “É pá, o pessoal que nasceu no meu ano está todo à rasca… Só se vão safando aqueles que trabalham no Estado, porque até os que trabalham para o Estado se vêm à nora para receber.” É Portugal no seu pior.
O que nos distingue da Grécia neste momento? O descomprometimento político daquela gente. Deus nos livre deste dramatismo. É aqui que se apela à responsabilidade política dos partidos, em especial aos que tiveram responsabilidades directas neste estado de pré-falência. Sem hipocrisias, porque, mais coisa menos coisa, nos últimos 30 anos todos tivemos o nosso pedacinho de culpa.
Mais não é que uma junta de salvação nacional democrática, não imposta, resultante apenas e simplesmente de bom senso e responsabilidade. Seria uma boa forma de enfrentar este período negro que se aproxima, mas de frente, sob pena de continuarmos neste estado patafúrdio: “Ó sorte malvada, que vida desgraçada, aiaiaiaiai, aiaiaiai…”
Deputada do PSD
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14/10/11
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